quarta-feira, dezembro 18, 2013

Ciência e religião: entrevista para o Portal UAI

Conciliação possível?
Recentemente, concedi entrevista à jornalista Gabriella Pacheco, do Portal UAI, parte da qual foi publicada na matéria “A ciência matou Deus? Para muitos cientistas, a resposta é não” (confira aqui). Leia a seguir a íntegra da entrevista:

Michelson, é possível ter fé (crer em Deus) e acreditar na ciência? Qual a sua opinião a respeito disso. Você acha que ter fé em Deus impossibilita a pessoa de acreditar na ciência e no que ela diz sobre o Universo, o mundo e sobre nós, humanos? É possível que, de alguma forma, elas caminhem juntas? Se não, qual o papel da ciência? E qual o papel da religião?

Tenho plena certeza de que isso é possível, afinal, os cientistas lidam com o que é imanente, com aquilo que é passível de verificação com seus métodos. Portanto, lidam com o mundo natural. A ciência é uma ótima “ferramenta” humana para nos ajudar a entender o mundo que nos rodeia, mas, como tudo o que é humano, ela tem também suas limitações, e uma delas é justamente a premissa filosófica sobre a qual trabalha: o naturalismo (ele mesmo não passível de verificação científica). Quem disse que a realidade se compõe apenas daquilo que podemos mensurar e que faz parte do chamado “mundo natural”? A ciência pode até nos explicar os “comos”, mas o que dizer dos “porquês”?

O próprio fato de existirem muitos cientistas que creem em Deus me mostra que o método científico é limitado no que diz respeito às questões relacionadas com o sobrenatural. Se a ciência provasse por a mais b que Deus não existe, todos os cientistas seriam ateus. De igual modo, se provasse que Deus existe, todos os cientistas seriam crentes. Mas não é isso o que acontece, justamente porque a ciência, quando bem empregada, trabalha dentro de suas limitações óbvias.

Se a ciência e a fé podem andar juntas? Creio que sim, quando ambas são corretamente compreendidas. Ciência é método, fé é confiança, convicção. Elas lidam com aspectos diferentes da realidade, embora muitas vezes possam atuar em conjunto para a melhor compreensão das coisas e para possibilitar uma vida mais plena e feliz. Além disso, a ciência nos estimula a manter um ceticismo saudável, aquele que nos faz analisar tudo com visão crítica e não aceitar qualquer falácia ou argumento sem fundamento consistente. Até para crer às vezes é preciso duvidar.

Ciência e fé andam de mãos dadas, por exemplo, quando falamos da arqueologia bíblica. Várias descobertas em anos recentes têm respaldado o pano de fundo histórico da Bíblia, atestando sua confiabilidade como documento. Isso significa que a arqueologia “prova” que Deus existe ou que a Bíblia é um livro de origem sobrenatural? Não, mas mostra que ela é historicamente confiável e que, portanto, sua teologia merece atenção. Assim, a ciência pode ajudar a mostrar a razoabilidade da fé.

Michelson, o que o levou a abandonar a crença no darwinismo?

A constatação de que esse modelo não é puramente científico e a percepção de que seus defensores, ou não sabem disso, ou procuram “disfarçar” o fato. Aqui entra em cena a discussão em torno da chamada “macroevolução” e da diversificação de baixo nível (também chamada de modo não muito apropriado de “microevolução”). Para defender seu ponto de vista, os evolucionistas geralmente apelam para exemplos de adaptações (como a aquisição de resistência a antibióticos por parte das bactérias) e os classificam como exemplos de “evolução”. Ocorre que, depois de décadas de experiências e muitas e muitas gerações de bactérias, elas continuam sendo exatamente isto: bactérias. Assim, o método científico aplicado ao estudo da vida mostra que há adaptações que levam à biodiversidade, mas não existem exemplos convincentes da tal macroevolução, muito menos da origem da vida segundo o cenário proposto pelos evolucionistas.

A verdade é que, conforme informo em meu livro A História da Vida, abandonei a ideia da macroevolução e o naturalismo filosófico quando estudava no curso técnico de química. Sempre fui amante da ciência e, por isso, naturalmente cético. Quando soube que o darwinismo tinha graves insuficiências epistêmicas, passei a estudar o assunto mais a fundo. Deparei-me com o argumento da complexidade irredutível, de Michael Behe, e com a tremenda dificuldade que o darwinismo tem em explicar a origem da informação complexa e específica. De onde surgiu a informação genética necessária para fazer funcionar a primeira célula? De onde proveio o acréscimo de informação necessária para dar origem a novos planos corporais e às melhorias biológicas?

O passo seguinte foi buscar um modelo que me fornecesse respostas ao enigma do código sem o codificador, do design sem o designer, da informação sem a fonte de informações. Fiquei aturdido com a complexidade física do Universo e com a complexidade integrada da vida. Nessas pesquisas, descobri que o criacionismo é a cosmovisão que associa coerentemente conhecimento científico e conhecimento bíblico.

Usei meu ceticismo, fui atrás das evidências – levassem aonde levassem – e me surpreendi com uma interpretação simples e não anticientífica para as origens.

Você fala (neste link) sobre cientistas que não viram contradições significativas entre a ciência experimental e a teologia judaico-cristã. É assim que você enxerga também a questão?

Sim. Eu me descobri em boa companhia ao saber que grandes cientistas como Galileu, Copérnico, Newton, Pascal, Pasteur e outros não viam contradição significativa entre a ciência experimental e a teologia judaico-cristã. Note que eles foram os fundadores do método científico. E isso também é significativo, pois o “berço” da ciência foi justamente a Europa cristã, cuja fé na Bíblia forneceu os pressupostos sobre os quais a ciência está assentada: (1) a Bíblia ensina que a natureza é real, diferentemente de outros sistemas religiosos que a consideram irreal, como o panteísmo; portanto, a natureza é um objeto passível tanto do estudo científico quanto filosófico; (2) a natureza tem valor. Os gregos antigos, por exemplo, não tinham essa convicção. Eles equiparavam o mundo material ao mal e à desordem, daí o fato de denegrirem qualquer coisa relacionada à esfera material. O trabalho manual era relegado aos escravos, enquanto os filósofos levavam uma vida de ócio, na busca das “coisas elevadas”. Muitos historiadores acreditam que esse é um dos motivos pelos quais os gregos não desenvolveram uma ciência empírica, que requer observação prática e de primeira mão, bem como a experimentação. Por outro lado, o cristianismo ensina que o mundo físico tem grande valor como criação de Deus e que as coisas materiais devem ser usadas para a glória de Deus e para o bem da humanidade. Por isso, na Europa Ocidental cristã, nunca houve o mesmo desprezo pelo trabalho manual. Não havia uma classe de escravos para realizar trabalhos e os artesãos eram respeitados; (3) a religião bíblica promoveu uma “desdeificação” da natureza, precondição essencial para a ciência e os cientistas, que poderiam investigá-la sem medo. Somente quando o mundo deixou de ser um objeto de adoração é que pôde se tornar um objeto de estudo; (4) o mundo deve ser encarado como um lugar em que os acontecimentos ocorrem de modo confiável e regular, já que foi Deus quem estabeleceu as leis que regem a realidade. 

Como você acredita que aconteceu a criação do mundo?

Penso exatamente como o grande físico brasileiro Cesar Lattes que, numa entrevista, disse aceitar o relato bíblico como explicação para a origem do Universo e da vida. Evidentemente, há “desdobramentos” dessa questão. Por exemplo: dificilmente um criacionista vai sustentar que o Universo tenha milhares de anos. De modo geral, se crê que o Universo possa ter os alegados bilhões de anos, mas que a vida na Terra remonte a alguns milhares de anos.

Qual sua opinião sobre a polêmica que se passou nos EUA sobre o ensino de criacionismo e evolucionismo nas escolas?

Infelizmente, lá essa discussão está carregada de tons políticos e há quem pense que todos os criacionistas desejam impor o ensino do criacionismo por via política ou legal. A posição da Sociedade Criacionista Brasileira, por exemplo, é a de que o criacionismo não seja ensinado em escolas públicas. Por dois motivos: (1) não deve ser muito fácil encontrar professores que conheçam bem os dois modelos controversos e que possam apresentá-los de maneira mais ou menos neutra e (2) o criacionismo é um modelo que integra a visão teísta (e, no caso do criacionismo bíblico, a visão judaico-cristã), sendo, por isso, não muito apropriada sua abordagem em escolas públicas laicas.

Claro que o ensino do evolucionismo também tem seus problemas quando se aproveita o “embalo” para ensinar junto com ele o naturalismo filosófico e o ateísmo, por exemplo. Isso também deveria ser desaconselhado. O ideal, no meu entender, é que se ensinasse um evolucionismo crítico, apresentando seus pontos positivos sem esconder suas insuficiências epistêmicas.

Você acredita que uma teoria anula a outra?

Depende de como se encara a palavra “evolução”. Se a discussão girar em torno de adaptações, mutações (que são incapazes de acrescentar informação complexa e específica ao patrimônio genético dos seres vivos) e seleção natural, uma teoria não precisa anular a outra, porque criacionistas aceitam o fato de que essas coisas promovem diversificação limitada. Mas se a discussão “migrar” para a macroevolução ou o naturalismo filosófico, aí, sim, haverá divergência, pois não se trata de ciência, mas de filosofia, e isso é uma escolha que se faz a priori, não baseada em experimentação e observação.

Você acredita na interpretação literal da Bíblia ou que ela contém metáforas ou alegorias?

A Bíblia contém, sim, metáforas e alegorias, mas, quando elas ocorrem, isso fica claramente indicado no texto, como quando Jesus conta Suas parábolas ou quando são descritas visões proféticas com símbolos interpretados pela própria Bíblia. No entanto, quando há narrativas históricas, fatuais, isso também é indicado no texto. A história da criação em Gênesis é um desses relatos fatuais que alguns querem que seja mitológico. Se a história da criação e da queda (pecado) se tratasse de um mito, toda a teologia bíblica seria jogada por terra. Os cristãos entendem que Cristo morreu por causa do pecado da humanidade e que Ele voltará para recriar este planeta. Além disso, todos os demais autores bíblicos, incluindo aí Jesus, se referem aos primeiros capítulos do Gênesis (inclusive o relato do dilúvio) como literais. Jesus cita Adão, Eva e Noé como personagens históricos.

A pessoa pode até descartar a Bíblia como fonte de informações, mas, se quiser adotá-la como um guia para sua vida, para ser coerente, terá que aceitar o “pacote” todo: os relatos de milagres que ela contém, a narrativa da criação sobrenatural e suas promessas espantosas. A Bíblia afirma ser a Palavra de Deus, portanto, ficamos diante de duas opções: (1) ou a descartamos como um embuste ou (2) levamos a sério sua alegação de inspiração, pesamos as evidências e tomamos nossa decisão. Ficar indiferente a isso é meio temerário, pois poderemos acabar descartando um tesouro inestimável.

Atualmente, existem muitas questões polêmicas em pauta envolvendo os cristãos (exemplo: aborto, homossexualidade) e cada vez mais parece que as narrativas bíblicas têm sido consideradas lendas. Como isso é visto pela comunidade criacionista?

A Bíblia é muito clara em afirmar que devemos amar e respeitar todas as pessoas, independentemente de quem sejam ou de que forma vivam, mas também é clara em sustentar que a vida tem valor inestimável e que casamento é uma instituição monogâmica envolvendo um homem e uma mulher. Cada um pode viver como bem entende, isso é o que significa livre-arbítrio, mas não é correto redefinir conceitos bíblicos a fim de acomodar nosso modo de viver a um tipo de cristianismo idealizado. Mitologizar as narrativas bíblicas se tornou muito conveniente para aqueles que não querem se divorciar totalmente da religião ao mesmo tempo em que querem viver como bem entendem. Assim, o casamento que foi instituído por Deus no Éden passou por uma releitura. O conceito de pecado também foi diluído. E assim por diante.

A relação ciência x religião pode estar caminhando para um destino de intolerância total?

Infelizmente, sim. Tenho percebido que a mídia cada vez mais aplica aos criacionistas um termo que se tornou grandemente pejorativo: fundamentalistas. Esse estereótipo faz com as pessoas mal informadas vejam os criacionistas como pessoas de mente estreita e até perigosas! Fanáticos há em ambos os lados. Assim como há neoateus darwinistas fundamentalistas, como o biólogo Richard Dawkins, há também cristãos que não vivem à luz dos ensinos pacifistas de Jesus Cristos e representam mal o cristianismo. Mas não podemos tomar o todo pela parte. Há ateus, evolucionistas e religiosos educados, razoáveis e honestos. Esses deveriam lutar para promover o diálogo e o respeito. Só teríamos a ganhar com isso.