Sueli e Orlando Mário Ritter |
Orlando
Mário Ritter nasceu em São Paulo, em 1957, e atualmente reside em Artur
Nogueira, SP. Filho de Orlando Rubem Ritter e Edda Balzi Ritter, obreiros atuantes por muitos anos no Instituto Adventista
de Ensino, hoje Unasp, campus São Paulo, Mário passou sua infância,
adolescência e parte da juventude naquele ambiente. Após concluir o segundo
grau em 1976, ingressou na Faculdade de Engenharia Industrial. Antes de se
formar, concluiu que o que ele queria mesmo era se tornar professor, e
transferiu seu curso para o de Licenciatura e Bacharelado em Química, a fim de
se habilitar a dar aulas de Ciências, Matemática e Química. Em 1985, por
necessidade da Obra, iniciou o curso de Pedagogia com habilitação em Administração
Escolar. E 1993, ingressou no curso de Estudos em Teologia, no Unasp, concluindo-o
em 1998. Em julho de 1981, casou-se com a enfermeira Sueli Maris Leite Ritter e
tiveram dois filhos: Orlando Rubem Ritter Neto, em 1983, e Rafaela Maris Ritter,
em 1988.
Tendo
sido diretor de duas escolas, foi depois indicado para o Departamento de
Educação da Associação Paulista Sul, onde permaneceu até o fim de 1999,
acumulando também os departamentos de Saúde e Temperança. Em 1999, foi ordenado
ao ministério pastoral e, em dezembro do mesmo ano, foi eleito secretário da
Associação Paulista Sul, função que ocupou até dezembro de 2002. Em 2003,
recebeu um chamado para atuar no departamento de Educação e Saúde da União Central
Brasileira, onde permanece até hoje.
Nesta
entrevista, concedida a Michelson Borges, ele fala sobre a experiência mais marcante
e difícil de sua vida.
O senhor “encarou a
morte” e sobreviveu. Fale um pouco sobre essa experiência.
Em
junho de 2013, mesmo sem sentir dor, eu sentia um desconforto abdominal. Fui ao
médico e fiz alguns exames, e uma semana depois tive o diagnóstico de câncer no
cólon. Foi marcada a cirurgia para o dia 7 de julho de 2013 e, se tudo desse
certo, em cinco dias eu teria alta. Lamentavelmente, não foi isso o que
aconteceu. Devido a um acidente cirúrgico (perfuração do ureter), passei por quatro
grandes cirurgias, quatro pequenas, 73 dias de internação, sendo 30 na UTI,
entubado e em coma. Um dia antes da terceira cirurgia, meu estado de saúde era
tão delicado que foi necessário aplicar três eletrochoques para “estabilizar” o
coração. A urina que vazava no abdômen rompeu a costura do intestino (deiscência
da anastomose), causando peritonite (infecção e inflamação da cavidade
abdominal), e quando a pressão aumentou pelo acúmulo de dez litros, o líquido
começou a “migrar” para a cavidade pulmonar, com cerca de 1,5 litro, tornando extremamente
difícil a respiração. A notícia do óbito só não foi anunciada porque Deus agiu
poderosamente evitando a morte certa. Andei pelo “vale da sombra da morte” e milagrosamente
recebi de Deus uma nova oportunidade de viver.
Um
dos médicos me disse: “Seu caso é mágico, eu já perdi pacientes com problemas
semelhantes e mais jovens, com menos intercorrências e em hospitais renomados,
e você está vivo!” Eu, mesmo muito fraco, o interrompi e disse: “O senhor sabe
qual é essa ‘mágica’? O poder e o amor de Deus em resposta a muitas orações
feitas pela grande família cristã.”
Em
dezembro de 2013, fiz uma tomografia e foram confirmadas metástases no fígado e
na suprarrenal esquerda. Ainda existe um longo percurso a trilhar, mas estou
confiante em Deus e certo de que posso contar novamente com as orações da nossa
grande família cristã.
Qual foi a sua reação
ao voltar do coma tantos dias depois? O que lhe passou pela cabeça?
Fomos
criados por Deus de maneira assombrosamente maravilhosa. Mesmo em coma por trinta
dias, meus ouvidos continuavam funcionando dentro da UTI, e muito do que foi dito
quando eu estava desacordado ficou gravado no subconsciente. Ao despertar,
ainda muito confuso, eu já tinha uma noção de que meu estado era muito grave. Não
sabia por quantas cirurgias tinha passado, mas sabia que estava com anemia profunda,
que recebi transfusão de muitas bolsas de sangue, tinha fraqueza extrema, insuficiência
respiratória e tinha noção até mesmo das condições climáticas, de uma ou duas
fortes frentes frias que haviam passado por São Paulo naqueles dias –
provavelmente alguém deve ter comentado sobre o forte frio que fazia.
Perguntei
para minha esposa: “Que dia é hoje?” Ela respondeu, para minha grande surpresa:
“Hoje é 6 de agosto.” Na hora, minha cabeça se encheu de perguntas que
demoraram mais de quatro meses para ser respondidas. Conforme eu ia sabendo
sobre o que havia ocorrido, no mesmo momento, vinham à mente fatos que eu teria
ouvido na UTI. Segundo os médicos, nesse período depois do coma, que durou cerca
de 15 dias, eu passei pelos “sonhos vívidos” em que a realidade se mistura com
a imaginação de forma tão real, tão clara, que se tem certeza de fatos que
nunca aconteceram e outros que aconteceram, mas com uma “realidade” totalmente
diferente da real. Esses “sonhos” ficaram tão bem gravados, que, mesmo já tendo
passado vários meses, eu poderia descrever cada um deles com mínimos detalhes por
horas a fio.
O médico espiritualista
ficou surpreso pelo fato de o senhor não ter “visto” o famoso “corredor de luz”
nem espíritos. O que o senhor “viu” naquela ocasião?
A
cada dia, já no quarto, eu recebia a visita de muitos médicos que me examinavam,
conversavam com minha esposa e depois me perguntavam alguma coisa ou contavam
algo engraçado, para descontrair o ambiente. Um médico me perguntou, depois de
uma breve explicação sobre minha “quase morte”: “Você passou pelo túnel de luz?
Você viu os espíritos? Eu respondi: “Sim, passei pelo túnel de vidro, mas não
vi nenhum ‘espírito’.” Ele tornou a perguntar: “O que você viu, então?” O que
eu “vi” de forma surpreendentemente clara – e não foi por pouco tempo – foi a
história da humanidade, conforme o relato bíblico. Vi desde o fim do dilúvio
até momentos antes da volta de Cristo, quando o mar começava a engolir as ilhas
e cidades costeiras, até que subitamente tudo ficou escuro e não vi mais nada.
O
médico então perguntou novamente: “Você não viu a luz no fim do túnel?”
Respondi que havia “visto” cenas incríveis da História, mas não luz alguma no
fim do túnel. Então o médico explicou o que ocorre nesse estado de “quase morte”:
conforme vai diminuindo a oxigenação do cérebro, começam a surgir imagens
vindas do subconsciente na forma de “túnel”, e provavelmente eu não tenha visto
o fim do túnel porque minha condição de oxigenação melhorou e o “sonho vívido”
foi forte o suficiente para ficar gravado, mas sem ser finalizado.
Mais
uma vez agradeci a Deus por não ter morrido e também fiquei feliz em saber que
os sonhos podem revelar imagens que estão latentes no subconsciente, e que no
meu caso não incluíam “espíritos” de forma alguma!
Houve algum momento
específico em que sentiu a presença de Deus ao seu lado?
Nestes
meses de luta, sofrimento e em alguns momentos de incerteza, minha esposa e eu passamos
a orar, compartilhar tudo com Deus e até mesmo clamar por todas as coisas, inclusive
as pequenas. Também reforçamos as orações por temas e pedidos específicos.
Nos
dias em que estive na UTI, o sofrimento, a angústia, as decisões importantíssimas
sobre a vida recaíram sobe minha esposa, que, se não fosse Deus lhe conceder
força sobre-humana, também teria sucumbido. Ela disse que nos doze primeiros
dias tudo estava indo de mal a pior, nada dava certo, e no décimo primeiro dia
ela sentiu que iria me perder. As orações pareciam não ter resposta, até quando
por inspiração divina ela pediu que eu fosse ungido antes da terceira cirurgia.
Ela orou a Deus: “Senhor, quero muito que meu marido seja curado, mas eu o
entrego em Tuas mãos.” A unção demorou um pouco e atrasou o início da cirurgia.
Os médicos, que não entendiam bem o que é uma unção, ficaram um pouco
incomodados com a demora.
O
médico cirurgião abriu meu abdômen, tirou mais dez litros de líquido, examinou
e não viu nada de errado. Quando ia fechar pela terceira vez, sem descobrir o
que estava acontecendo, Deus interveio poderosamente. O Espírito Santo impressionou
a mente do médico de tal maneira que ele resolveu revisar tudo pela segunda vez.
Algum tempo depois, o cirurgião olhou para a equipe e falou: “Valeu a pena ter
esperado a unção. Descobri o que aconteceu: o líquido que inunda o abdômen e os
pulmões é urina proveniente do ureter direito perfurado.” Naquele momento,
mesmo sabendo que meu estado ainda era crítico, minha esposa diz que sentiu
como se Deus a tivesse colocado no colo; sentiu uma alegria indescritível, uma
paz interior que só Deus pode conceder. Ela perguntou ao médico: “Doutor,
estamos de novo na luta?” E ele respondeu: “Sim, estamos na luta!”
Depois
de 55 dias no hospital, tive alta e voltamos para nossa casa, em Artur Nogueira,
para recuperar as forças, as hemoglobinas (estavam em 8,8 e o ideal é entre 14
e 16), o peso (estava 20 quilos mais magro), e me preparar para a primeira
quimioterapia.
Fiz
todos os preparativos e consultas antecipadas e foi marcada a primeira
quimioterapia, chamada de “forte” (de uma série de vinte, sendo intercaladas dez
“fortes” e dez “fracas”), para o dia 7 de outubro, e fui para São Paulo (minha
esposa dirigia o carro). Quando cheguei à clínica, o médico tinha se esquecido
de agendar a quimioterapia e de preparar os medicamentos, e só daria tempo de fazer
a mais fraca. Fiquei desapontado, e depois de orar, decidi que faria a mais “fraca”.
Fiz
a “químio”, não tive nenhuma reação aparente e voltamos para casa tarde da
noite, extenuado de tal maneira que não conseguia segurar o pescoço, de tão “pesada”
que estava a minha cabeça, por causa da fraqueza geral que ainda sentia.
Dias
mais tarde, vi nesse “esquecimento” do médico mais uma vez a presença e a poderosa
proteção de Deus. Eu estava com uma bactéria hospitalar latente (Klebsiella pneumoniae), que despertou
com a quimioterapia, provocando febres diárias de até 40º, sensação de morte
iminente, calafrios, suadouros e perda de mais seis quilos. Segundo vários médicos
afirmaram, se tivesse sido aplicada a “químio” forte, provavelmente eu não
teria resistido. Novamente, senti bem de perto a presença de Deus, que me livrou.
Porém, por causa dessa infecção, voltei para o hospital e fiquei mais 18 dias internado.
Em que sentido essa
experiência mudou sua maneira de ver a vida?
Quando
acordei e aos poucos me dei conta de uma “nova realidade”, como sequelas permanentes,
longos sofrimentos, tratamentos que podem se prolongar por anos, novas cirurgias,
percebi que a tendência natural do ser humano é de entrar em desespero. Tive
muito tempo para refletir, meditar na Palavra de Deus, orar e receber visitas de
pessoas que, estou certo, foram enviadas por Deus, como anjos, para me animar, consolar
e orar comigo. Meu passado eu conheço, mas não posso alterá-lo. O futuro, por
mais que eu sonhe e planeje, a Deus pertence. Me resta o presente, o hoje, o agora.
Estou aprendendo a viver e a depender de Deus. Tudo o que faço, todas as minhas
decisões, procuro antes “conversar” com Deus em pensamento, e Ele tem me concedido
uma paz interior como nunca antes tinha sentido.
Minha
vida está nas mãos de Deus. Aprendi a depender dEle em todas as coisas, por
menores e insignificantes que possam parecer. Deus operou em mim o milagre da
vida, mas aprendi que tudo o que estiver ao meu alcance devo fazer. O que
estiver ao alcance da medicina, dos médicos e dos medicamentos, Ele dará sabedoria,
habilidade e bênção para que seja feito segundo a vontade dEle. O que for impossível
ao homem fazer, Deus, segundo Sua vontade, poderá operar milagrosamente.
O senhor sempre cuidou
da saúde. Como entende/racionaliza essa situação pela qual passou?
Sempre
cuidei do meu corpo e, de fato, tive boa saúde. Nunca fumei, nunca bebi e nunca
usei drogas. Sempre evitei comer fora de casa e o meu intestino funcionava
regularmente. A última vez – antes dessa “maratona” que tenho corrido – que
fiquei internado em um hospital foi aos quatro anos de idade, com diagnostico
de difteria ou crupe (nessa ocasião, Deus também me salvou milagrosamente). O
dia 28 de junho de 2013 foi provavelmente o dia mais triste da minha vida,
quando recebi o resultado positivo de um adenocarcinoma no cólon. Questionei
meu médico e a resposta foi: “É o mesmo que ser atingido por uma bala perdida”,
pois pesam os fatores estilo de vida, em cerca de 50%, os fatores ambientais,
como poluição, riscos químicos e biológicos, em cerca de 25%, e os fatores genéticos
e hereditários, com cerca de 25%.
A
semana que se seguiu foi de muita oração e expectativa para a cirurgia. Na
segunda-feira, 1º de julho, fui internado no hospital para uma grande bateria
de exames pré-operatórios e foi marcada a cirurgia para o dia 7. Todos os
médicos me tranquilizaram dizendo que não seria nenhum “bicho de sete cabeças”,
e que em cinco dias eu estaria em casa. Em 30 dias poderia voltar ao trabalho.
A
primeira pergunta que veio à minha mente foi: “Por que Deus permitiu a
instalação da doença e depois o acidente cirúrgico?” Poucos dias depois, eu já
havia mudado de pensamento e agora eu penso que tudo colabora para o bem dos
que amam a Deus, e isso não me preocupa mais. Já tenho algumas respostas, outras
só terei no Céu. Mas, por causa da doença e da maneira como Deus agiu, alguns parentes
próximos já se decidiram pelo batismo, só estão esperando que eu “aguente” batizá-los.
Outros, só de ouvir minha história, como o pai da instrumentadora do hospital,
que acompanhou as quatro cirurgias, decidiram estudar a Bíblia. Médicos não cristãos,
que puderam ver a atuação direta da mão de Deus em salvar minha vida, também
foram impressionados, entre tantas outras pessoas que eu hoje desconheço e que
um dia me serão apresentadas. Fui beneficiado pelas orações, mas a igreja e as
pessoas que oraram também foram abençoadas.
O que diria para um
leitor que estivesse enfrentando uma doença complicada?
Antes
de tentar saber dos porquês, dos “culpados”, devemos compreender que vivemos
num mundo de pecado. A luta não é contra a carne e o sangue, e sim uma batalha
muito maior entre principados e potestades espirituais, entre o bem e o mal,
entre Cristo e Satanás, muito além das nossas forças. Somente poderemos ser
vencedores em Cristo Jesus. Enquanto aguardamos o dia da volta dEle, o grande
dia da glorificação, mesmo nossas vidas sendo milagrosamente salvas, ainda
carregaremos as consequências do pecado e das nossas próprias escolhas, que
também levam à dor, à doença e à morte prematura.
O
amanhã não me preocupa mais, porque estar vivo hoje já é um milagre. Vivo tempo
emprestado por Deus. Não penso mais no futuro como antes, pois tenho vivido e
me preparado dia após dia para a volta de Jesus.
Mas o senhor tem planos
para o futuro...
Quando
agradeci a Deus, pela primeira vez ao acordar do longo sono na UTI, prometi que
não importava quanto tempo de vida Ele me concederia, eu iria em cada oportunidade
testemunhar do Seu amor, do Seu poder, da Sua misericórdia. Durante as aplicações
da “químio”, falo aos demais pacientes da clínica sobre alimentação saudável,
sobre a fé, a oração, sobre os Centros de Vida Saudável da Igreja, dos nossos
livros e de como Deus atua e atuou em minha vida. Muitos estão impressionados e
já estão mantendo contato fora do ambiente da clínica. Teve até uma senhora que
me perguntou sobre um canal de TV que fala sobre fé e Deus, a Novo Tempo. Aí eu
respondi com ênfase: “Essa é a minha
TV.”
Se
o Senhor permitir, quero também dedicar à Sua obra os oito anos que ainda tenho
até a jubilação. E também quero aproveitar, como nunca antes, cada minuto para
ficar com a família, ver os netos crescer, acompanhar os filhos nas lides da
vida, com os demais familiares, e permanecer ao lado da minha esposa que deu
tudo de si para me acompanhar. Não tenho grandes ambições. Quero ver Cristo
voltar!
A quem mais agradece,
além de Deus?
Agradeço
à minha família, filhos, genro e nora, meus pais, cunhados e cunhada, irmãs,
enfim, a todos que se empenharam e fizeram, e ainda estão fazendo a diferença
na minha vida. Também quero agradecer aos muitos pastores e amigos que foram ao
meu leito e oraram comigo e com a Sueli, enquanto eu estava em coma, no quarto
do hospital e depois em casa. Agradeço aos médicos, enfermeiros, fisioterapeutas,
nutricionistas, ao serviço de capelania, com visitas e orações diárias, ou
seja, ao Hospital Adventista de São Paulo, que muito me ajudou e ainda realiza
esforços para que eu me recupere. Quero agradecer ao pessoal da Educação Adventista,
professores, diretores, funcionários e até mesmo aos alunos que oraram
intensamente pela minha recuperação. Aos escritórios da União Central Brasileira,
das Associações paulistas, outras Uniões e Associações por este Brasil afora,
toda a Divisão Sul-Americana, muitas igrejas inteiras e pessoas dos cinco continentes,
enfim, a todos vocês meu muito obrigado. Eu sou um milagre do amor e do poder
de Deus! Que Ele seja louvado!