segunda-feira, novembro 24, 2014

Entrevista: salvo da morte

Sueli e Orlando Mário Ritter
Orlando Mário Ritter nasceu em São Paulo, em 1957, e atualmente reside em Artur Nogueira, SP. Filho de Orlando Rubem Ritter e Edda Balzi Ritter, obreiros atuantes por muitos anos no Instituto Adventista de Ensino, hoje Unasp, campus São Paulo, Mário passou sua infância, adolescência e parte da juventude naquele ambiente. Após concluir o segundo grau em 1976, ingressou na Faculdade de Engenharia Industrial. Antes de se formar, concluiu que o que ele queria mesmo era se tornar professor, e transferiu seu curso para o de Licenciatura e Bacharelado em Química, a fim de se habilitar a dar aulas de Ciências, Matemática e Química. Em 1985, por necessidade da Obra, iniciou o curso de Pedagogia com habilitação em Administração Escolar. E 1993, ingressou no curso de Estudos em Teologia, no Unasp, concluindo-o em 1998. Em julho de 1981, casou-se com a enfermeira Sueli Maris Leite Ritter e tiveram dois filhos: Orlando Rubem Ritter Neto, em 1983, e Rafaela Maris Ritter, em 1988.

Tendo sido diretor de duas escolas, foi depois indicado para o Departamento de Educação da Associação Paulista Sul, onde permaneceu até o fim de 1999, acumulando também os departamentos de Saúde e Temperança. Em 1999, foi ordenado ao ministério pastoral e, em dezembro do mesmo ano, foi eleito secretário da Associação Paulista Sul, função que ocupou até dezembro de 2002. Em 2003, recebeu um chamado para atuar no departamento de Educação e Saúde da União Central Brasileira, onde permanece até hoje.

Nesta entrevista, concedida a Michelson Borges, ele fala sobre a experiência mais marcante e difícil de sua vida.

O senhor “encarou a morte” e sobreviveu. Fale um pouco sobre essa experiência.

Em junho de 2013, mesmo sem sentir dor, eu sentia um desconforto abdominal. Fui ao médico e fiz alguns exames, e uma semana depois tive o diagnóstico de câncer no cólon. Foi marcada a cirurgia para o dia 7 de julho de 2013 e, se tudo desse certo, em cinco dias eu teria alta. Lamentavelmente, não foi isso o que aconteceu. Devido a um acidente cirúrgico (perfuração do ureter), passei por quatro grandes cirurgias, quatro pequenas, 73 dias de internação, sendo 30 na UTI, entubado e em coma. Um dia antes da terceira cirurgia, meu estado de saúde era tão delicado que foi necessário aplicar três eletrochoques para “estabilizar” o coração. A urina que vazava no abdômen rompeu a costura do intestino (deiscência da anastomose), causando peritonite (infecção e inflamação da cavidade abdominal), e quando a pressão aumentou pelo acúmulo de dez litros, o líquido começou a “migrar” para a cavidade pulmonar, com cerca de 1,5 litro, tornando extremamente difícil a respiração. A notícia do óbito só não foi anunciada porque Deus agiu poderosamente evitando a morte certa. Andei pelo “vale da sombra da morte” e milagrosamente recebi de Deus uma nova oportunidade de viver.

Um dos médicos me disse: “Seu caso é mágico, eu já perdi pacientes com problemas semelhantes e mais jovens, com menos intercorrências e em hospitais renomados, e você está vivo!” Eu, mesmo muito fraco, o interrompi e disse: “O senhor sabe qual é essa ‘mágica’? O poder e o amor de Deus em resposta a muitas orações feitas pela grande família cristã.”

Em dezembro de 2013, fiz uma tomografia e foram confirmadas metástases no fígado e na suprarrenal esquerda. Ainda existe um longo percurso a trilhar, mas estou confiante em Deus e certo de que posso contar novamente com as orações da nossa grande família cristã.

Qual foi a sua reação ao voltar do coma tantos dias depois? O que lhe passou pela cabeça?

Fomos criados por Deus de maneira assombrosamente maravilhosa. Mesmo em coma por trinta dias, meus ouvidos continuavam funcionando dentro da UTI, e muito do que foi dito quando eu estava desacordado ficou gravado no subconsciente. Ao despertar, ainda muito confuso, eu já tinha uma noção de que meu estado era muito grave. Não sabia por quantas cirurgias tinha passado, mas sabia que estava com anemia profunda, que recebi transfusão de muitas bolsas de sangue, tinha fraqueza extrema, insuficiência respiratória e tinha noção até mesmo das condições climáticas, de uma ou duas fortes frentes frias que haviam passado por São Paulo naqueles dias – provavelmente alguém deve ter comentado sobre o forte frio que fazia.

Perguntei para minha esposa: “Que dia é hoje?” Ela respondeu, para minha grande surpresa: “Hoje é 6 de agosto.” Na hora, minha cabeça se encheu de perguntas que demoraram mais de quatro meses para ser respondidas. Conforme eu ia sabendo sobre o que havia ocorrido, no mesmo momento, vinham à mente fatos que eu teria ouvido na UTI. Segundo os médicos, nesse período depois do coma, que durou cerca de 15 dias, eu passei pelos “sonhos vívidos” em que a realidade se mistura com a imaginação de forma tão real, tão clara, que se tem certeza de fatos que nunca aconteceram e outros que aconteceram, mas com uma “realidade” totalmente diferente da real. Esses “sonhos” ficaram tão bem gravados, que, mesmo já tendo passado vários meses, eu poderia descrever cada um deles com mínimos detalhes por horas a fio.

O médico espiritualista ficou surpreso pelo fato de o senhor não ter “visto” o famoso “corredor de luz” nem espíritos. O que o senhor “viu” naquela ocasião?

A cada dia, já no quarto, eu recebia a visita de muitos médicos que me examinavam, conversavam com minha esposa e depois me perguntavam alguma coisa ou contavam algo engraçado, para descontrair o ambiente. Um médico me perguntou, depois de uma breve explicação sobre minha “quase morte”: “Você passou pelo túnel de luz? Você viu os espíritos? Eu respondi: “Sim, passei pelo túnel de vidro, mas não vi nenhum ‘espírito’.” Ele tornou a perguntar: “O que você viu, então?” O que eu “vi” de forma surpreendentemente clara – e não foi por pouco tempo – foi a história da humanidade, conforme o relato bíblico. Vi desde o fim do dilúvio até momentos antes da volta de Cristo, quando o mar começava a engolir as ilhas e cidades costeiras, até que subitamente tudo ficou escuro e não vi mais nada.

O médico então perguntou novamente: “Você não viu a luz no fim do túnel?” Respondi que havia “visto” cenas incríveis da História, mas não luz alguma no fim do túnel. Então o médico explicou o que ocorre nesse estado de “quase morte”: conforme vai diminuindo a oxigenação do cérebro, começam a surgir imagens vindas do subconsciente na forma de “túnel”, e provavelmente eu não tenha visto o fim do túnel porque minha condição de oxigenação melhorou e o “sonho vívido” foi forte o suficiente para ficar gravado, mas sem ser finalizado.

Mais uma vez agradeci a Deus por não ter morrido e também fiquei feliz em saber que os sonhos podem revelar imagens que estão latentes no subconsciente, e que no meu caso não incluíam “espíritos” de forma alguma!

Houve algum momento específico em que sentiu a presença de Deus ao seu lado?

Nestes meses de luta, sofrimento e em alguns momentos de incerteza, minha esposa e eu passamos a orar, compartilhar tudo com Deus e até mesmo clamar por todas as coisas, inclusive as pequenas. Também reforçamos as orações por temas e pedidos específicos.

Nos dias em que estive na UTI, o sofrimento, a angústia, as decisões importantíssimas sobre a vida recaíram sobe minha esposa, que, se não fosse Deus lhe conceder força sobre-humana, também teria sucumbido. Ela disse que nos doze primeiros dias tudo estava indo de mal a pior, nada dava certo, e no décimo primeiro dia ela sentiu que iria me perder. As orações pareciam não ter resposta, até quando por inspiração divina ela pediu que eu fosse ungido antes da terceira cirurgia. Ela orou a Deus: “Senhor, quero muito que meu marido seja curado, mas eu o entrego em Tuas mãos.” A unção demorou um pouco e atrasou o início da cirurgia. Os médicos, que não entendiam bem o que é uma unção, ficaram um pouco incomodados com a demora.

O médico cirurgião abriu meu abdômen, tirou mais dez litros de líquido, examinou e não viu nada de errado. Quando ia fechar pela terceira vez, sem descobrir o que estava acontecendo, Deus interveio poderosamente. O Espírito Santo impressionou a mente do médico de tal maneira que ele resolveu revisar tudo pela segunda vez. Algum tempo depois, o cirurgião olhou para a equipe e falou: “Valeu a pena ter esperado a unção. Descobri o que aconteceu: o líquido que inunda o abdômen e os pulmões é urina proveniente do ureter direito perfurado.” Naquele momento, mesmo sabendo que meu estado ainda era crítico, minha esposa diz que sentiu como se Deus a tivesse colocado no colo; sentiu uma alegria indescritível, uma paz interior que só Deus pode conceder. Ela perguntou ao médico: “Doutor, estamos de novo na luta?” E ele respondeu: “Sim, estamos na luta!”

Depois de 55 dias no hospital, tive alta e voltamos para nossa casa, em Artur Nogueira, para recuperar as forças, as hemoglobinas (estavam em 8,8 e o ideal é entre 14 e 16), o peso (estava 20 quilos mais magro), e me preparar para a primeira quimioterapia.

Fiz todos os preparativos e consultas antecipadas e foi marcada a primeira quimioterapia, chamada de “forte” (de uma série de vinte, sendo intercaladas dez “fortes” e dez “fracas”), para o dia 7 de outubro, e fui para São Paulo (minha esposa dirigia o carro). Quando cheguei à clínica, o médico tinha se esquecido de agendar a quimioterapia e de preparar os medicamentos, e só daria tempo de fazer a mais fraca. Fiquei desapontado, e depois de orar, decidi que faria a mais “fraca”.

Fiz a “químio”, não tive nenhuma reação aparente e voltamos para casa tarde da noite, extenuado de tal maneira que não conseguia segurar o pescoço, de tão “pesada” que estava a minha cabeça, por causa da fraqueza geral que ainda sentia.

Dias mais tarde, vi nesse “esquecimento” do médico mais uma vez a presença e a poderosa proteção de Deus. Eu estava com uma bactéria hospitalar latente (Klebsiella pneumoniae), que despertou com a quimioterapia, provocando febres diárias de até 40º, sensação de morte iminente, calafrios, suadouros e perda de mais seis quilos. Segundo vários médicos afirmaram, se tivesse sido aplicada a “químio” forte, provavelmente eu não teria resistido. Novamente, senti bem de perto a presença de Deus, que me livrou. Porém, por causa dessa infecção, voltei para o hospital e fiquei mais 18 dias internado.

Em que sentido essa experiência mudou sua maneira de ver a vida?

Quando acordei e aos poucos me dei conta de uma “nova realidade”, como sequelas permanentes, longos sofrimentos, tratamentos que podem se prolongar por anos, novas cirurgias, percebi que a tendência natural do ser humano é de entrar em desespero. Tive muito tempo para refletir, meditar na Palavra de Deus, orar e receber visitas de pessoas que, estou certo, foram enviadas por Deus, como anjos, para me animar, consolar e orar comigo. Meu passado eu conheço, mas não posso alterá-lo. O futuro, por mais que eu sonhe e planeje, a Deus pertence. Me resta o presente, o hoje, o agora. Estou aprendendo a viver e a depender de Deus. Tudo o que faço, todas as minhas decisões, procuro antes “conversar” com Deus em pensamento, e Ele tem me concedido uma paz interior como nunca antes tinha sentido.

Minha vida está nas mãos de Deus. Aprendi a depender dEle em todas as coisas, por menores e insignificantes que possam parecer. Deus operou em mim o milagre da vida, mas aprendi que tudo o que estiver ao meu alcance devo fazer. O que estiver ao alcance da medicina, dos médicos e dos medicamentos, Ele dará sabedoria, habilidade e bênção para que seja feito segundo a vontade dEle. O que for impossível ao homem fazer, Deus, segundo Sua vontade, poderá operar milagrosamente.

O senhor sempre cuidou da saúde. Como entende/racionaliza essa situação pela qual passou?

Sempre cuidei do meu corpo e, de fato, tive boa saúde. Nunca fumei, nunca bebi e nunca usei drogas. Sempre evitei comer fora de casa e o meu intestino funcionava regularmente. A última vez – antes dessa “maratona” que tenho corrido – que fiquei internado em um hospital foi aos quatro anos de idade, com diagnostico de difteria ou crupe (nessa ocasião, Deus também me salvou milagrosamente). O dia 28 de junho de 2013 foi provavelmente o dia mais triste da minha vida, quando recebi o resultado positivo de um adenocarcinoma no cólon. Questionei meu médico e a resposta foi: “É o mesmo que ser atingido por uma bala perdida”, pois pesam os fatores estilo de vida, em cerca de 50%, os fatores ambientais, como poluição, riscos químicos e biológicos, em cerca de 25%, e os fatores genéticos e hereditários, com cerca de 25%.

A semana que se seguiu foi de muita oração e expectativa para a cirurgia. Na segunda-feira, 1º de julho, fui internado no hospital para uma grande bateria de exames pré-operatórios e foi marcada a cirurgia para o dia 7. Todos os médicos me tranquilizaram dizendo que não seria nenhum “bicho de sete cabeças”, e que em cinco dias eu estaria em casa. Em 30 dias poderia voltar ao trabalho.

A primeira pergunta que veio à minha mente foi: “Por que Deus permitiu a instalação da doença e depois o acidente cirúrgico?” Poucos dias depois, eu já havia mudado de pensamento e agora eu penso que tudo colabora para o bem dos que amam a Deus, e isso não me preocupa mais. Já tenho algumas respostas, outras só terei no Céu. Mas, por causa da doença e da maneira como Deus agiu, alguns parentes próximos já se decidiram pelo batismo, só estão esperando que eu “aguente” batizá-los. Outros, só de ouvir minha história, como o pai da instrumentadora do hospital, que acompanhou as quatro cirurgias, decidiram estudar a Bíblia. Médicos não cristãos, que puderam ver a atuação direta da mão de Deus em salvar minha vida, também foram impressionados, entre tantas outras pessoas que eu hoje desconheço e que um dia me serão apresentadas. Fui beneficiado pelas orações, mas a igreja e as pessoas que oraram também foram abençoadas.

O que diria para um leitor que estivesse enfrentando uma doença complicada?

Antes de tentar saber dos porquês, dos “culpados”, devemos compreender que vivemos num mundo de pecado. A luta não é contra a carne e o sangue, e sim uma batalha muito maior entre principados e potestades espirituais, entre o bem e o mal, entre Cristo e Satanás, muito além das nossas forças. Somente poderemos ser vencedores em Cristo Jesus. Enquanto aguardamos o dia da volta dEle, o grande dia da glorificação, mesmo nossas vidas sendo milagrosamente salvas, ainda carregaremos as consequências do pecado e das nossas próprias escolhas, que também levam à dor, à doença e à morte prematura.

O amanhã não me preocupa mais, porque estar vivo hoje já é um milagre. Vivo tempo emprestado por Deus. Não penso mais no futuro como antes, pois tenho vivido e me preparado dia após dia para a volta de Jesus.

Mas o senhor tem planos para o futuro...

Quando agradeci a Deus, pela primeira vez ao acordar do longo sono na UTI, prometi que não importava quanto tempo de vida Ele me concederia, eu iria em cada oportunidade testemunhar do Seu amor, do Seu poder, da Sua misericórdia. Durante as aplicações da “químio”, falo aos demais pacientes da clínica sobre alimentação saudável, sobre a fé, a oração, sobre os Centros de Vida Saudável da Igreja, dos nossos livros e de como Deus atua e atuou em minha vida. Muitos estão impressionados e já estão mantendo contato fora do ambiente da clínica. Teve até uma senhora que me perguntou sobre um canal de TV que fala sobre fé e Deus, a Novo Tempo. Aí eu respondi com ênfase: “Essa é a minha TV.”

Se o Senhor permitir, quero também dedicar à Sua obra os oito anos que ainda tenho até a jubilação. E também quero aproveitar, como nunca antes, cada minuto para ficar com a família, ver os netos crescer, acompanhar os filhos nas lides da vida, com os demais familiares, e permanecer ao lado da minha esposa que deu tudo de si para me acompanhar. Não tenho grandes ambições. Quero ver Cristo voltar!

A quem mais agradece, além de Deus?

Agradeço à minha família, filhos, genro e nora, meus pais, cunhados e cunhada, irmãs, enfim, a todos que se empenharam e fizeram, e ainda estão fazendo a diferença na minha vida. Também quero agradecer aos muitos pastores e amigos que foram ao meu leito e oraram comigo e com a Sueli, enquanto eu estava em coma, no quarto do hospital e depois em casa. Agradeço aos médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, ao serviço de capelania, com visitas e orações diárias, ou seja, ao Hospital Adventista de São Paulo, que muito me ajudou e ainda realiza esforços para que eu me recupere. Quero agradecer ao pessoal da Educação Adventista, professores, diretores, funcionários e até mesmo aos alunos que oraram intensamente pela minha recuperação. Aos escritórios da União Central Brasileira, das Associações paulistas, outras Uniões e Associações por este Brasil afora, toda a Divisão Sul-Americana, muitas igrejas inteiras e pessoas dos cinco continentes, enfim, a todos vocês meu muito obrigado. Eu sou um milagre do amor e do poder de Deus! Que Ele seja louvado!