sexta-feira, dezembro 15, 2006

A influência dos meios de comunicação

Os meios de comunicação podem conduzir a atitudes e pensamentos contrários ao Evangelho
Até que ponto nossos pensamentos e hábitos podem ser influenciados pela mídia? É possível desenvolver um caráter cristão sob o intenso bombardeio de informações e conceitos secularizantes de nossos dias? Quem responde a essas e outras perguntas é o professor do Centro Universitário Adventista (Unasp), campus Engenheiro Coelho, Valdecir Simões Lima.

Valdecir é formado em Letras, Teologia e Línguas. Dá aulas de Comunicação e Línguas no Seminário Adventista de Teologia e nas faculdades de Educação e Letras do Unasp. Trabalhou por quatro anos como produtor editorial do programa de televisão Está Escrito. Na área de música, atuou como maestro de coral e compositor (dirigiu por seis anos o Coral Jovem do IAE/SP e tem participação, inclusive, em hinos do Hinário Adventista).

Por ocasião da 1ª Jornada de Comunicação da União Central Brasileira, onde foi um dos palestrantes, o professor Valdecir concedeu a seguinte entrevista a Michelson Borges:

Estamos na era das telecomunicações. Até que ponto podemos ser influenciados pela mídia? Ela altera comportamentos?

Mídia é a somatória dos meios de comunicação: rádio, TV, jornal, revista, outdoor, internet, propagandas em geral, etc. Ela é necessária a qualquer sociedade civilizada e não há como viver hoje sem estar envolvido com ela. A maneira como é utilizada, entretanto, nem sempre é de forma eticamente aceitável. Ela nos atinge passiva ou ativamente, positiva ou negativamente. E como vivemos em um mundo capitalista, que necessita de consumo para o crescimento e sobrevivência, a mídia é o veículo adequado para impulsionar o processo que tende a visualizar mais as coisas do que as pessoas.

Não é necessário você ligar algum aparelho para estar envolvido com a propaganda. Basta dirigir na cidade, que os outdoors estão lá de plantão, basta vestir um tênis que a marca está lá... e pior, há quatro anos, apontar o indicador para cima já era fazer, inconscientemente, propaganda de cerveja.

Na propaganda, o que há de mais importante é ser o primeiro a chegar à sua mente e fazer de você um cliente. E se o elemento em questão é a mente, o assunto é realmente sério. As pessoas que lidam com a mídia sabem que o ser humano tem desejos, ansiedades, sonhos, e que, se relacionarem seus produtos a essas necessidades materiais (e mesmo espirituais), conseguirão consumidores em potencial.

Exemplo: “Kolynos, o gosto da vitória!” Não há vitória em Kolynos; há uma associação de um bem espiritual (vitória) com um bem material (creme dental). O fato de que o creme dental previne as cáries não é relevante para as pessoas, portanto, não se vende prevenção, vendem-se ilusões de realização.

Assim, podemos ser influenciados pela mídia porque ela entra em nossa mente sem pedir licença. Basta você chegar em casa, ligar o televisor e já estará pagando um bom preço pelo que está vendo. Você é o pagamento; a sua atenção é o lucro dos anunciantes. E lembre-se: nada é de graça.

A propaganda privilegia o fracasso, a carência, a necessidade, porque sabe que uma pessoa realizada não necessita de consumo para se afirmar. O comportamento se molda a partir de impressões cristalizadas pelo tempo. Hábitos formados por sugestões da mídia podem facilmente alterar seus valores de forma inconsciente. Você não precisa decidir para que sua mente seja influenciada e aqui está a diferença entre a mídia e o Evangelho, que é também comunicação por excelência. Para aceitar um novo comportamento cristão, você precisa tomar decisões conscientes. A mídia não pede licença para entrar em sua vida. Jesus, sim. Aquele que pregou a liberdade, Aquele que é a Liberdade em Pessoa, diz: “Eis que estou à porta e bato, se você abrir...” Veja, “se você abrir”. Jesus não força; Ele quer alterar nosso comportamento também, mas com a nossa escolha, com a nossa decisão.

Os pontos no Ibope são o alvo dos meios de comunicação. Isso parece estar causando um rebaixamento da moral e dos bons costumes. Qual deve ser a postura do cristão diante disso?

Excetuando-se alguns poucos programas, ninguém faz TV por amor ao próximo (aliás parece que não se faz mais quase nada por amor ao próximo). A programação é parte de uma máquina que visa dinheiro, muito dinheiro. Quanto mais qualidade se aplica, maior o preço cobrado. Um filme pode custar 200 milhões, como no caso do Titanic, mas o retorno é certo (e que retorno!). As propagandas podem custar milhares de reais por segundo em horários nobres. E por que são tão caras? Simples, porque têm retorno. Portanto, se a opinião pública demonstra não apreciar certo produto, ele estará fora de circulação ou sofrerá significativas alterações (procedimento muito freqüente em novelas). A arte imita a vida que imita os cofres dos produtores.

Portanto, quando um produto não rende o esperado, ocorrem mudanças que, com toda certeza, não serão feitas com base no crescimento moral da população, mas nos índices do Ibope. E para isso vale tudo: sexo, violência, etc.

Há algum tempo, a Rede OM de televisão (hoje CNT) resolveu pôr um filme obsceno no ar. Várias sociedades protestaram: “Onde já se viu colocar pornografia na televisão!” A reação da Rede foi a mais previsível possível: “Estamos quase no século 21 e não há censura. Não gostam do filme? Vocês são livres, mudem de canal!” Por que é que a TV usa essa argumentação? Ironicamente, porque extraíram da Bíblia um conceito que, usado às avessas, conduz sua filosofia: “O bem que quero fazer, esse não faço; o mal que não quero fazer, esse faço.” Este texto do apóstolo Paulo mostra a angústia que o homem passa quanto às suas intenções e seus atos. A psicologia da TV, portanto, é a seguinte: “O bom filme que a sociedade gostaria de ver, esse ela não vê; mas o mau filme, a baixaria que ela gostaria de evitar, esse/essa ela vê. E se as pessoas assistem a esses programas, mesmo sem querer, dão-nos Ibope; e é isso o que nos interessa.”

Como os pais devem agir com os filhos em relação à TV? Censurar, simplesmente?

A concorrência é desleal. Pesquisas indicam que os pais gastam muito pouco tempo com os filhos por semana. Somos transformados ou moldados por aquilo que passamos mais tempo contemplando. O problema é que o televisor reveste a mensagem com uma beleza incomum. Acaricia nossas necessidades e nosso ego para obter cada vez mais atenção e aprovação; molda seus programas às nossas necessidades e carências. E com as crianças não é diferente. E o pior é que para elas o bombardeamento se apresenta em suas piores cores. Elas são um tremendo mercado hoje e mais ainda um mercado futuro em potencial.

É sabido que o comportamento não se altera pela verdade científica. As pessoas não são transformadas pela verdade da ciência, mas pela beleza. A verdade exige decisão, tomada de atitude consciente. Quando uma criança está na frente do televisor, ela não precisa exercitar o poder de decisão. As mensagens já vêm decididas. A beleza e graça das personagens que imitam a vida real são imbatíveis. É como a visita de um tio que dá presentes, beijinhos e sorvete, mas quem tem que punir os erros é o pai. A parte difícil da educação compete aos pais. Assim é com a TV: mostra só o “belo”, prende a atenção da garotada e os pais, que já dispõem de pouco tempo para a educação dos filhos, quando querem colocá-los no trilho, têm de apresentar a dolorida verdade. É óbvio que as crianças inconscientemente preferirão a Xuxa ou a Angélica, afinal, “elas não brigam com a gente”.

Lembre-se: a batalha é vencida por aquele que chega primeiro à mente. Quem está ocupando o primeiro lugar na mente de seus filhos? Não se assuste se, bem mais tarde na vida, eles não obedecerem aos seus reclamos, às suas ordens, por mais amor e devoção que possam conter. Se as crianças aprenderam a ser educadas por terceiros, agora pode ser tarde demais.

Há um conflito evidente entre o que os jovens ouvem nos cultos e os valores e costumes que lhes são transmitidos pela mídia. Como fica a mente deles diante disso?

Se cremos em tudo o que é dito na igreja e aceitamos as lições extraídas da Bíblia, mas vivemos de forma oposta àquilo com que concordamos, estaremos criando uma diferença muito grande entre a teoria e a prática. Viveremos em constante estado de desarmonia interior; e essa divisão gera sofrimento. Isso é bíblico: “O homem de coração dobre é inconstante em todos os seus caminhos.” Nossa vida parece estar segmentada em duas partes distintas: a espiritual, no sábado, e a material, que se inicia sábado à noite e vai até o pôr-do-sol de sexta.

Certa vez participei, junto com outros pastores, de um debate aberto com um grupo de mais de 150 jovens sobre temas atuais como sexo, drogas, casamentos inadequados, filmes, etc. Enquanto os jovens discutiam, nós, os líderes, apenas observávamos atentos para, em algum momento oportuno, acrescentar um “assim diz o Senhor”. Sabe o que aconteceu? Em nenhum momento tivemos de interferir. Todos os temas foram discutidos com muita informação e segurança; e as conclusões eram espiritualmente amadurecidas. Naquele dia cheguei a uma conclusão que mudou minha conduta como pregador e palestrante: não centralizarei mais meus temas sobre o que é certo ou errado; a maioria dos jovens sabe estabelecer essa diferença. A questão crucial é a seguinte: se sabemos o que é certo, por que fazemos o que é errado?

James Ashlemberg escreveu uma teoria chamada “Dissonância Cognitiva”. Essa teoria se divide em três partes: (1) você vive de acordo com o que crê, ou (2) você crê naquilo que vive. (3) Se você não viver de acordo com qualquer desses dois princípios, fatalmente perderá o equilíbrio mental.

Quem chega primeiro à nossa mente altera nossos hábitos. Quanto tempo dedico à leitura da Bíblia e à meditação? Se não dedico nada, meu testemunho será negativo, mesmo que eu não queira. Só minhas convicções não adiantam. Uma vez que minha vida é suscetível às influências a que me exponho, só posso testemunhar daquilo que acredito e vivo.

Um dos maiores inimigos da nossa época é a falta de tempo. Com tanta exposição ao bombardeamento da mídia, somos influenciados pelo consumismo e materialismo e nos tornamos vítimas da pressa. O que há de interessante por trás da pressa é que ela destrói nossos valores sem destruir nossas convicções. Ou seja, a pressa lhe traz estresse e ansiedade porque você tem que viver em constante estado de competição, busca e acúmulo para manter a normalidade da vida; e o resultado disso são desastrosas conseqüências físicas e mentais.

Assim, inconscientemente trocamos o senso de serviço pelo de sobrevivência e nossa mente tenta justificar essa troca. A Bíblia e a Igreja reforçam valores e um estilo de vida que parece não condizer com os tempos modernos. Por exemplo: andar a segunda milha, dar a outra face, orar sem cessar, parar para meditar, fazer escolhas conscientes, prestar um culto racional, não olhar para uma mulher com olhar impuro, amar os inimigos e o próximo como a nós mesmos, guardar o sábado, servir por amor, etc. Cremos em tudo isso. A pergunta é: vivemos isso? Sem dúvida, o Evangelho parece loucura aos olhos dos homens.

A mídia nos olha como consumidores, clientes, lucro em potencial. Até mesmo o tão atual processo de Qualidade Total tem limites. Segundo a Bíblia, temos que olhar o homem não como cliente, mas como nosso próximo. Investir nele, mesmo que isso custe nossa própria vida. Isso é amor e não uma estratégia de marketing.

Uma vez que há flagrante diferença entre aquilo que a sociedade secular nos propõe e o caminho cristão, ser jovem adventista é ser “rebelde”?

Em certo sentido, sim. Deus não muda; Seus princípios são eternos. Já a sociedade está em constante movimento, alterando suas normas de comportamento e, junto, está alterando também seus princípios morais. Aquilo que era errado, não é mais. Na sociedade, há sempre constante adaptação às necessidades de cada tempo, mesmo que para isso sejam sacrificadas algumas normas de conduta. “Como o homem veio dos animais,” – dizem – “a moral divina não importa.” A lei moral é uma “bela lenda”. E deve ser seguida com ressalvas, pois as necessidades dos tempos modernos nos abrigam a constantes adaptações. O problema é que a sociedade mudou tanto que obriga os seres humanos a se comportarem adaptando-se aos novos tempos. Temos que nos curvar aos apelos modernos para garantir a sobrevivência. Assim, adiamos muitas vezes nosso compromisso com os Céus, porque parece que seus apelos não se adaptam aos nossos dias. Curvamo-nos perante a sociedade que exige de nós obediência a Deus e solicitamos que Ele nos entenda, afinal, “estamos bem intencionados”. “Trabalhei demais nesta semana para garantir minha sobrevivência e a de meus filhos, portanto, neste sábado não irei à igreja. O motivo é justo e bom; Deus há de entender”, pensamos. Assim, curvamo-nos perante os apelos do mundo e nos esquecemos de nos curvar perante os apelos de Deus, achando que Ele, em Sua bondade, há de entender nossas “justas” necessidades. Mas Deus não aceita que O coloquemos em segundo plano. “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça”, é o que Ele diz.

Deus nos criou à Sua imagem e parece que o homem quer criar Deus à sua imagem e semelhança. É a criatura querendo fazer Deus Se sujeitar às suas necessidades. Deus é bom, sim, e temos que seguir os Seus planos.

Os três jovens hebreus foram altamente rebeldes: “E fica sabendo, ó rei, que não nos curvaremos...” Paulo foi rebelde. Basta lembrarmos de onde suas cartas foram escritas: da prisão. Ele se rebelou por uma causa. Essa “rebeldia” é necessária hoje. Homens que não se comprem nem se vendam são por natureza rebeldes em relação às causas injustas.

Missionário no Brasil

A Missão Global entre os alemães brasileiros
Filho de evangelista, Günther Gehann nasceu na Romênia, em 2 de dezembro de 1939. Aos 18 anos, sobreviveu milagrosamente a um sério acidente, resolvendo, depois disso, dedicar a vida a Deus. Como o regime comunista na Romênia havia fechado os seminários teológicos, Günther não pôde realizar seu sonho senão em 1970, quando conseguiu mudar-se para a Alemanha. Em janeiro de 1971 iniciou seus estudos teológicos no seminário de Darmstadt. Depois de formado, serviu como pastor de jovens na igreja de Kassel, no norte da Alemanha.

Em 1979, João Teske, um adventista catarinense de origem germânica, foi à Alemanha para fazer estágio em uma multinacional. No sábado, foi à igreja do Pastor Günther, em Ludwigshafen. Günther ficou sabendo da existência de mais de 3 milhões de descendentes de alemães no Brasil, que precisavam ser evangelizados. “É só me chamar que eu vou”, brincou Günther, sem imaginar o que o esperava no futuro. Alguns anos depois, chegou o chamado da Divisão Sul-Americana, via Associação Geral. Em 1990, o Pastor Günther estabeleceu-se em Santa Catarina, com a esposa Mellita, onde desenvolveu profícuo trabalho entre os alemães daquele Estado, bem como com os de São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, até 1993. Depois de aposentado, passou a residir em Bronnen, na Alemanha, onde faleceu, em 2003.

Numa visita ao Brasil, dois anos antes de sua morte, concedeu esta entrevista a Michelson Borges:

Descreva seu trabalho no Brasil.

O início foi bastante complicado, pois não sabia exatamente como e por onde começar. Orei a Deus pedindo sabedoria. Mais ou menos um mês após minha chegada a Blumenau, SC, fui convidado a pregar na igreja de Benedito Novo. Depois do culto, um dos irmãos me convidou para almoçar e me mostrou um jornal escrito em alemão, impresso e distribuído no Brasil, o Brasil-Post. Vi ali uma oportunidade. Liguei para os redatores e marcamos um encontro. Fui recebido cordialmente pela diretora do jornal, em São Paulo. Depois de algumas horas de conversa, fui convidado a escrever uma coluna semanal sobre religião [que escrevo até pouco antes de falecer], já que isso era um desejo dos leitores. Aceitei o desafio e senti que minhas orações começavam a ser respondidas.

Algum tempo depois, preparei uma pesquisa que foi publicada no jornal. Através dela pude conhecer a receptividade do povo alemão no Brasil à religião e obter endereços de pessoas interessadas em fazer estudos bíblicos por correspondência. Muitas cartas começaram a chegar e, assim, meu trabalho pôde ter início.

E seu programa de rádio Stimme der Hoffnung?

A primeira experiência foi um quadro de cinco minutos apresentado durante um programa de rádio do Pastor Ítalo Manzolli. O programa foi bastante divulgado e apreciado pelos alemães de São Paulo.

Logo depois, surgiu outra oportunidade maravilhosa. Recebi um telefonema da diretora do Brasil-Post, convidando-me para representar o jornal num congresso mundial sobre a cultura alemã, em Porto Alegre, RS, organizado pela Embaixada Alemã. Surpreso, aceitei o convite. E minha surpresa foi ainda maior quando, três dias antes do evento, recebi outro telefonema, dos organizadores do congresso, oferecendo-me oportunidade para falar sobre a influência da Bíblia e da religião na língua e na cultura alemã, dando-me também um espaço de 15 minutos para falar de meu trabalho no Brasil. Orei a Deus para conceder-me sabedoria e abrir portas para a pregação do evangelho.

Falei sobre Lutero e Deus me ajudou tanto que vários congressistas vieram me cumprimentar e perguntar sobre a obra adventista. Durante um coquetel a convite do cônsul de Porto Alegre, conversei com ele e com o ministro da Educação, que muito elogiou a igreja, a educação e os livros adventistas. Conversei com diversas autoridades, mas foi com um advogado diretor de uma emissora FM de Teutônia, RS, que outra grande porta se abriu. Ele me ofereceu dez minutos em sua programação, todos os domingos, para fazer um programa religioso. Quando voltei a Blumenau, ele me telefonou para combinar os detalhes, dizendo que não poderia me dar mais os dez minutos. Eu disse que estaria feliz com cinco. E ele então disse que me daria não dez, mas trinta minutos!

Assim, o Stimme der Hoffnung [A Voz da Esperança] foi se espalhando. Com o tempo, várias emissoras passaram a veiculá-lo, chegando a um tempo de transmissão de 230 minutos semanais. Minha esposa e eu gravávamos os programas em um pequeno estúdio em nossa casa, com baixíssimo custo de produção. E muitos interessados foram contatados, inclusive no Paraguai, onde o programa também era ouvido, e onde artigos meus também passaram a ser publicados em um jornal semelhante ao Brasil-Post, o Aktuelle Rundschau.

Que “estratégias” o senhor usou em seu trabalho pessoal?

Utilizei o evangelismo da amizade. Procurei conhecer as pessoas, conquistar sinceramente sua amizade e, depois, ofereci-me para estudar a Bíblia com elas. Além disso, reuni representantes dos grupos de alemães adventistas de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e São Paulo, e juntos discutíamos, de quando em quando, formas de melhor trabalhar pelo povo germânico.

O que o senhor acha do povo e da igreja adventista brasileiros?

O povo brasileiro nos ensina muito. Quando voltei para a Alemanha, em 1993, concedi uma entrevista a uma rádio e disse que o povo brasileiro é muito alegre e aberto. A igreja adventista brasileira também é exemplar. São irmãos consagrados e envolvidos no trabalho missionário e na liderança, coisa que nem sempre se vê nos países europeus mais desenvolvidos. Além disso, há muita música nas igrejas, o que cria um “clima” próprio para a adoração e pregação da Palavra.

Duas experiências marcantes em seu ministério.

Quando publiquei a pesquisa no Brasil-Post, prometi que sortearia três livros aos que respondessem ao questionário. Um dos ganhadores foi um professor universitário de Viçosa, MG. A filha dele, Sieglinde Brune, pesquisadora do Ministério da Agricultura, em Brasília, leu o livro, que tratava da profecia de Daniel 2. Ela ficou interessada no conteúdo e iniciou o estudo bíblico. Sempre fazia perguntas difíceis, num alemão perfeito, que me tomavam horas para responder. Indiquei a ela uma irmã em Brasília, para que mantivessem contato e ela começou a freqüentar a igreja. Resultado: meses depois, Sieglinde foi batizada.

A segunda experiência tem que ver com o cuidado de Deus. O problema estava sendo responder todas as cartas de interessados. Minha esposa e eu dedicávamos muitas horas a isso. Mas as Bíblias, revistas e livretos em alemão que havíamos trazido da Alemanha, numa doação dos irmãos de lá, já estavam se esgotando e não havia dinheiro suficiente para as despesas postais nem para os contatos telefônicos. Um dia, a conta telefônica chegou e eu disse para minha esposa que não tínhamos mais dinheiro. Dobramos os joelhos e entregamos o caso a Deus. Dentro de instantes, bateram à nossa porta. Era uma irmã da igreja alemã de Blumenau, médica, dizendo que precisava nos contar algo, mas com pressa, pois tinha que atender um paciente. E ela disse: “Pastor Gehann, acredito que o senhor esteja precisando de dinheiro. Tenho aqui um cheque que gostaria de lhe dar.” Ao olhar o cheque, percebi que era o valor exato de que eu precisava para pagar a conta telefônica.

Tendo trabalhado na região que é o berço do adventismo no Brasil, o Vale do Itajaí, o que o senhor acha que temos a aprender com os pioneiros?

Creio que a lição mais importante que temos a aprender deles é que eles faziam o trabalho ajoelhados. Devemos estabelecer alvos e traçar planos, mas tudo deve acontecer com os joelhos no chão. Quando nosso trabalho é fruto de oração, mesmo quando faltam os recursos materiais, a obra avança.

Um sonho.

Gostaria de continuar o trabalho que foi interrompido em 1993. Existem muitos alemães na América do Sul, e eles também devem ser levados aos pés de Cristo, que é o propósito da Missão Global. Mas tudo está nas mãos de Deus.

Perdido dentro da Igreja

Pastor e conselheiro familiar fala sobre o que o levou a se afastar de Deus na juventude, a influência do rock e da televisão, e como ocorreu sua conversão

Marcos Faiock Bomfim nasceu em Taquara, RS, em 1963, como o mais velho de uma família de três irmãos. Viveu praticamente toda a infância e juventude em São Paulo, onde se formou em Teologia, em 1985, no então IAE, hoje Unasp. Concluiu o Mestrado em Teologia em 1998, no Unasp, campus Engenheiro Coelho, e a pós graduação em Terapia Familiar, em Porto Alegre. Ainda durante o bacharelado em Teologia, foi professor de Musicalização Infantil e maestro de corais em escolas adventistas de São Paulo.

Enquanto estudava Trompa, na Escola Municipal de Música de São Paulo, participou em orquestras, bandas sinfônicas e conjuntos de câmara. Com o Coral Acasp e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, participou de cantatas, oratórios e outras peças.

Depois de formado em Teologia, trabalhou como pastor distrital durante nove anos, na Grande São Paulo. Em seguida, passou seis anos servindo como diretor de departamento na Associação Catarinense, de onde foi para o Rio Grande do Sul, onde coordenou, de 2001 a 2005, os departamentos de Mordomia Cristã e Ministérios da Família da Associação Sul Rio-Grandense (ASR). Em 2005, assumiu os mesmos departamentos na União Sul-Brasileira da Igreja Adventista, em Curitiba. Além disso, é o apresentador do programa diário “Novo Tempo em Família”, da Rede Novo Tempo de Rádio.

É casado com a pedagoga Mariluz da Silva Bomfim e tem duas filhas: Luana e Alana.

Nesta entrevista, concedida a Michelson Borges, fala das lutas pelas quais passou na juventude e de como se converteu, após um período de afastamento de Deus.

Mesmo tendo nascido em lar adventista, o senhor esteve um tempo afastado de Deus. Como isso aconteceu?

Às vezes acontece que filhos criados em lares ativamente empenhados na nutrição espiritual dos seus membros se afastem de Deus. Mas não são felizes longe dEle. O Espírito Santo fica trabalhando na consciência e o prazer do pecado acaba deixando um certo “amargo na boca”. No meu caso, havia uma inconstância muito grande em minha vida espiritual. Ora deixava me influenciar pelo lar, pelo colégio (IAE) e pela Igreja; ora pelos amigos ou companheiros. Tentando tornar-me aceito pelo grupo de amigos, acabei fazendo concessões e comprometendo princípios.

O que o atraía no “mundo”?

Tendo nascido na igreja, nunca estive, por assim dizer, “no mundo”. Nunca saí ostensivamente da igreja, nem bebi ou fumei, ou coisas do gênero. Para falar a verdade, o “mundo” nem me atraía tanto assim. No fundo queria estar em paz com Deus, e por isso também não queria afastar-me da igreja. E nem se quisesse poderia, porque meus pais faziam uma “marcação cerrada”!

Como era essa “marcação cerrada”?

Vou dar um exemplo. Na adolescência, comecei a imaginar que a exigência de levantar-me cedo todos os dias para o culto familiar, não passava de um capricho da parte dos meus pais. Também queria freqüentar uma igreja vizinha, em lugar de ir à igreja com meus pais. Na verdade, eu queria mesmo era ficar do lado de fora, encostado nos carros dos amigos conversando e paquerando, longe de qualquer vigilância. Sabedor disso, meu pai certa vez procurou-me, em um sábado pela manhã, e disse: “Você nos foi dado por Deus, como um empréstimo, pelo tempo em que ficar nesta casa. Gostamos muito que você fique aqui, e gostaríamos de poder sustentá-lo enquanto precisar. Mas como esta casa é regida pelos princípios de Deus, enquanto estiver aqui (e queremos que fique) você precisa submeter-se a esses princípios. Esta também é sua casa, mas os princípios que a regem foram escolhidos por mim e sua mãe, quando nos casamos. Hoje você já está definindo os seus princípios, que um dia poderão ser diferentes dos nossos. Mas por causa da responsabilidade que temos diante de Deus em relação a você, estou lhe pedindo para ir à igreja conosco e levantar-se para os cultos da manhã. Peço que faça isso por nossa causa, porque como pais, temos que responder diante de Deus por nossas atitudes em relação a você. Agora, se você vai à igreja para adorar a Deus ou não, isso já é com você. É você quem presta contas disso diante dEle.” E, estendendo a mão, com voz pacificadora, meu pai prometeu: “Depois que você sair de casa e sustentar-se a si mesmo, prometo que nunca mais lhe falo de Deus, da Bíblia, de cultos ou da igreja.”

Forçado por esse “abuso do poder econômico”, senti-me obrigado a estender a mão. Sei que Deus utilizou essa experiência para me manter perto dEle e um pouco mais longe das distrações dos meus companheiros.

Como você acabou se interessando pelo estilo de música rock?

Certa vez, contra a vontade de meu pai, fui acampar por cerca de quatro dias com um grupo de jovens. Todos cantávamos em um dos corais da igreja, mas como o acampamento era independente (sem a supervisão de líderes da igreja), praticamente não havia adultos com coragem para se posicionar e que se responsabilizassem pela manutenção dos princípios espirituais. Meu pai me havia deixado ir, depois de muita insistência de minha parte, porque não sabia de toda a verdade acerca do acampamento.

Durante todo o tempo, dia e noite, música rock era tocada em volume muito alto. Não tenho lembranças de serviços espirituais ou de culto. No primeiro dia, quase não pude suportar a experiência de ouvir aquela música, já que em casa estava habituado apenas à música cristã ou clássica. No fim do segundo dia, minha mente já estava mais acostumada com a batida, e ao terceiro dia já encontrava verdadeiro prazer naquilo que antes me causava repulsa. Desse modo, o rock foi para mim a porta de entrada para a música popular.

Qual o problema com esse tipo de música?

O rock, bem como outros tipos de música muito ritmada, tende a levar o indivíduo a estados pré-hipnóticos, por causa da batida cadenciada. Se isso ocorrer, dependendo do volume do som e do grau de envolvimento, o indivíduo acaba sendo prejudicado em sua capacidade decisória, no juízo crítico e no raciocínio lógico. É nessa hora que os impulsos mais baixos tomam as rédeas e isso é a senha para que espíritos satânicos assumam completamente a direção. Já o Espírito de Deus trabalha de modo diferente. Sua atuação ocorre de modo mais eficaz quando a mente está na sua melhor sensibilidade perceptiva, livre de influências que diminuam a capacidade de raciocínio lógico do indivíduo. É por isso que, além de não escutar esse tipo de música, o cristão também não deveria utilizar drogas, álcool, nicotina ou cafeinados, porque tudo isso prejudica a clareza mental.

Mas, voltando à música, além da pré-hipnose, a letra da maioria dessas músicas, o estilo de vida dos artistas e suas crenças são uma maldisfarçada tentativa de impor os valores do império das trevas. Alguns desses músicos inclusive já confessaram que compunham diretamente sob inspiração satânica, e este fato é fartamente comprovado em literatura sobre o assunto. Outros, infelizmente, ignoram o poder que os move, mas quem estuda a Bíblia não precisa ficar ignorante: “Pelos seus frutos os conhecereis”, disse Jesus.

E as demais músicas populares? Também são assim tão nocivas?

Eu estenderia o mesmo raciocínio para boa parte da música popular. Existem pessoas que recuariam horrorizadas diante de um rock pesado, mas passam horas e horas escutando inocentemente música popular. Ouvem sem prestar atenção, imaginando que não há perigo algum nisso. Mas se esquecem de que Satanás é um ser real, muito inteligente, e que nunca perde tempo. Ele sabe que música é algo que mexe profundamente com os sentimentos do ser humano; sabe que tipos diferentes de acordes, dispostos em seqüências e ritmos diferentes, podem produzir sentimentos que influenciam a mente para aceitar o pecado ou para se afastar de Deus; sabe que esses sentimentos, se repetidos, fixam padrões de conduta ou resposta. Assim, é importante saber que o que entra no cérebro humano pelos sentidos influenciará de algum modo, para o bem ou para o mal. O conceito teológico do Grande Conflito nos revela que neste mundo simplesmente não existe coisa alguma absolutamente neutra.

Além disso, existe o fato de que essas músicas são compostas e apresentadas por pessoas que não têm o menor compromisso com Cristo. Por isso, a grande maioria das letras não apenas desconhece a Deus, mas de maneira sutil (utilizando às vezes processos subliminares) ou mesmo aberta, introduzem na mente dos ouvintes o sistema de vida do inimigo de Deus.

Quando comecei a voltar-me para Deus, todas estas idéias levaram-me a abandonar o rock, mas continuei apreciando a música popular (brasileira e internacional). Ouvia na casa dos meus amigos ou em lojas especializadas, porque, como disse anteriormente, meus pais não permitiam que as escutasse em casa. Eu achava isso uma exigência exagerada da parte deles. Mas, com o passar do tempo, percebi claramente que esse tipo de música, apesar de não ser aparentemente tão agressivo quanto o rock, tirava-me quase que completamente o gosto pelas coisas de Deus, e diminuía muito minha resistência contra o pecado.

E o que dizer das músicas sacras com estilo pop?

Abandonar a música popular representou para mim uma luta muito grande. Talvez seja por esse motivo que tenho hoje sérias dificuldades para adorar a Deus quando ouço na igreja música tipicamente popular, com letra sagrada. A música popular, por suas próprias características musicais, tende a privilegiar mais o movimento corporal, o prazer sensorial e os instintos mais baixos em detrimento da introspecção, da razão e do raciocínio lógico, essenciais para a comunhão com Deus. Não podemos nos esquecer de que, depois da queda, nossos instintos passaram a estar sob influência da natureza pecaminosa.

Já a verdadeira música sacra apela aos instintos mais nobres, como o da busca do espiritual, por exemplo, e isto requer introspecção, paz. Esse tipo de música, talvez por estar em oposição à nossa tendência pecaminosa, acaba sendo naturalmente muito menos atrativo à pessoa que não possui discernimento espiritual. A confusão acontece quando existe a mistura dos dois elementos – música popular com letra sagrada. Acontece então uma falta de integridade, uma inconsistência entre a letra e a música. A música “fala” uma coisa e a letra, outra. O cérebro percebe essa incoerência, que pode ser transferida também para a vida espiritual. O próprio Espírito Santo não pode trabalhar e, então, como diz Ellen White, as mesmas verdades que deveriam converter, podem acabar endurecendo (cf. Testemunhos Seletos, vol. 2, pág. 291).

Por experiência descobri que não pode haver harmonia entre a luz e as trevas. “Não toqueis em coisas impuras; e Eu vos receberei, serei vosso Pai, e vós sereis para Mim filhos e filhas, diz o Senhor todo poderoso.” II Cor. 6:17 e 18.

Você também gostava muito de televisão. Como a televisão prejudica a espiritualidade do cristão?

Existe um princípio básico que rege o funcionamento da mente humana, que afirma que ela simplesmente não consegue resistir à repetição. Tente, por exemplo, não pensar no resto da frase que eu vou começar: “Água mole em pedra dura...” O simples fato de você provavelmente ter completado mentalmente este provérbio popular é uma demonstração de que a repetição da frase já marcou o seu cérebro, e você não pode mais tirar essa informação de lá.

Este é um princípio que pode ser utilizado tanto por Deus quanto pelo inimigo. Sobre este princípio apóiam-se todos os sistemas de lavagem cerebral, como as mensagens subliminares, por exemplo. Você pode escolher conscientemente o que vai influenciar sua mente, mas depois de estar exposto a essa influência, sua capacidade de resistir a ela fica muito reduzida. Satanás, que é um profundo estudioso da mente humana, serve se da TV e outras mídias para criar emoções e prender a atenção, prejudicando a capacidade de escolha. É por isso que muita gente acaba se sujeitando a ver coisas com as quais não concorda. Parece que não conseguem desligar a TV ou sair de um site. Tudo que emociona ou choca, sejam novelas, filmes, seriados, jornais ou até programas esportivos, acabará, por assim dizer, fortalecendo as sinapses (ligações entre os neurônios) correspondentes, que finalmente se tornarão no caminho mais fácil e natural para um dado impulso nervoso.

É assim que o pecado se torna mais automático e natural que a santidade. Dessa maneira, martelando sua ideologia na mente dos incautos, Satanás consegue vendê-la ao preço que quiser. E acaba custando muito caro. Às vezes a família; outras vezes a honra, a saúde ou mesmo a salvação.

Conte como foi a sua conversão.

Certo dia, quando, de namoro a estudos, nada estava dando certo em minha vida, entre brincadeiras e conversas dentro da igreja, ouvi um pregador que tentava provar à congregação que a Bíblia era mesmo um livro de origem divina. Já que intimamente também punha em dúvida a origem da Bíblia, a ousadia do pregador despertou-me a atenção, e escutei, talvez para que depois pudesse ridicularizar seu raciocínio. Depois de falar do cumprimento das profecias que envolvem o fator tempo, desafiou: “Se sua vida vai mal (era o meu caso) e você quer descobrir se a Bíblia é mesmo o livro de Deus, faça um teste: comece a lê-la todos os dias e procure obedecer a tudo o que Deus lhe mandar. Se sua vida continuar a mesma ou piorar, então desista da Bíblia e de Deus. Mas se a vida começar a melhorar depois disso, não será uma evidência da existência do poder que lhe deu origem?” Eu pensei: “Por mais que, com minhas próprias forças, eu queira fazer minha vida melhorar, ela piora cada vez mais.” Naquele momento percebi que minha vida só poderia melhorar com auxílio sobrenatural. O pastor também desafiou todos a orarem secretamente e a esperar por respostas.

Tudo aquilo me fez refletir, e resolvi começar a ler a Bíblia por mim mesmo. Comecei por Gênesis e encontrei profundo prazer na leitura, tentando descobrir toda e qualquer ordem de Deus para que então pudesse obedecer. Comecei também a orar e a fazer pedidos a Deus. Fazia tudo secretamente, porque não queria despertar expectativas ou possíveis cobranças por parte das outras pessoas. Mas muito rapidamente constatei minha fraqueza e incapacidade para cumprir aquilo que descobria ser a vontade de Deus, e fiquei muito desanimado. Minha vontade não estava em harmonia com a do Céu. Sabia o que Deus queria que eu fizesse, mas não encontrava prazer em obedecer. Imaginei que, como era muito fraco, as coisas espirituais não eram mesmo para mim.

Foi então que ouvi também um sermão do Pastor Alejandro Bullón, dizendo que ninguém precisa esconder de Deus suas fraquezas, e que a gente pode até dizer para Deus que está gostando do pecado, porque Ele sabe de tudo e nos ama mesmo assim. É Ele, pelo Seu poder, “quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a Sua boa vontade”. Filip. 2:13. O pastor falou também que o ramo, em lugar de esforçar-se por produzir o fruto, concentra esforços em permanecer ligado à videira. Assim, descobri o grande segredo, e parei de ficar olhando apenas para os meus pecados e fraquezas, tentando tornar-me santo pela minha própria obediência, e comecei a olhar para o Senhor, para a Sua santidade, diariamente, pela manhã, e “em primeiro lugar”. Mat. 6:33.

Empunhando a bandeira criacionista

Engenheiro fala de sua conversão e da fundação da Sociedade Criacionista Brasileira

Estamos em pleno século 21, mas a discussão em torno da ciência e da religião mostra-se longe de chegar ao fim. Vários livros abordando o assunto da origem da vida e do Universo têm sido publicados. Mais e mais pessoas têm-se conscientizado a respeito da complexidade inegável do micro e do macrocosmo. Desde o microscópico átomo às gigantescas galáxias, um enorme campo de pesquisa se abre tanto a cientistas como a teólogos.

Um desses pesquisadores apaixonado pelo assunto é o Dr. Ruy Carlos de Camargo Vieira. Ele nasceu em 1930, é natural de São Carlos, SP, e é engenheiro mecânico e eletricista, formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Dedicou-se à carreira docente, lecionando Mecânica dos Fluidos, de 54 a 56, no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Em julho de 1956, foi lecionar Física Técnica (nome italiano dado à cadeira de Mecânica dos Fluidos, Transmissão de Calor e Aplicações Tecnológicas) na Universidade de São Paulo (USP), Campus de São Carlos, onde fez a livre docência e tornou-se catedrático.

Em 1970, assumiu a chefia do departamento de Hidráulica e Saneamento naquela universidade, fundando a pós-graduação que é considerada a melhor na área no Brasil. Foi convidado, em 1972, a integrar a Comissão de Especialistas do Ensino de Engenharia do Ministério da Educação e Cultura, responsável pelas escolas de engenharia, currículos, formação de professores, reconhecimento de cursos, etc.

Segundo o Dr. Ruy Vieira, após a aposentadoria (em 1986) é que ele começou a trabalhar “de verdade”. Atualmente representa o MEC no Conselho da Agência Espacial Brasileira, participando de suas reuniões periódicas e empreendendo viagens por locais onde se desenvolvem atividades espaciais.

De três em três meses participa, também, de reuniões na Sociedade Bíblica do Brasil, da qual é diretor-tesoureiro.

Além dessas ocupações, durante meio período, o Dr. Ruy atua como consultor do PNUDE (Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento) junto à Secretaria de Educação Tecnológica do MEC. No outro meio período, dedica-se a traduções de livros e edita a Revista Criacionista, publicação da Sociedade Criacionista Brasileira (SCB), da qual é presidente.

Nesta entrevista, concedida a Michelson Borges, fala de sua conversão ao criacionismo e da fundação da SCB.

Por que o senhor escolheu ser criacionista?

Entendo que tornar-se criacionista é uma conseqüência lógica de tornar-se cristão. Ser cristão é aceitar a Cristo como Salvador e, portanto, aceitar a revelação exposta na Bíblia, especialmente no que diz respeito ao relato da criação de um mundo perfeito, da provação e da queda subseqüentes, com todas as suas conseqüências deletérias.

Não tive educação religiosa no lar, e dada a minha educação escolar até o nível universitário ter sido centrada nos parâmetros agnósticos, e mesmo ateístas, vigentes em nosso país, não tive educação religiosa também nos bancos escolares. Dessa forma, só vim a conhecer o cristianismo como experiência pessoal, pela providência de Deus, já no fim de meu curso de Engenharia. Evidentemente então ocorreram conflitos em minha mente entre o conhecimento adquirido até então e a nova perspectiva que se abria diante de mim, de um mundo criado, mantido e dirigido por um Deus que manifestava propósito, desígnio e planejamento em todas as Suas obras.

Dou graças a Deus por ter conseguido superar todas as barreiras que se interpuseram no caminho de minha conversão. Hoje posso associar de forma bastante coerente a imagem de um mundo perfeito criado por Deus, e a degradação decorrente da entrada do pecado neste planeta, com princípios básicos da ciência que aprendi na minha carreira de estudante, e que posteriormente integraram o conteúdo de disciplinas que vim a ministrar como docente universitário, como por exemplo, a Primeira e a Segunda Leis da Termodinâmica, envolvendo considerações filosóficas sobre o conceito de entropia, ordem e desordem, direcionalidade, decaimento e degradação.

Vislumbro, hoje, em todos os campos do conhecimento humano com os quais tive de me relacionar, a perfeita coerência da visão criacionista com os fatos e as evidências neles encontrados.

O que é a Sociedade Criacionista Brasileira, da qual o senhor é presidente?

Na minha carreira de docente universitário, como também no acompanhamento dos estudos de meus filhos no curso secundário e no preparo para o concurso vestibular, bem como na observação dos acontecimentos sociais, políticos, econômicos, científicos e tecnológicos, pude perceber como as doutrinas evolucionistas foram sendo introduzidas nos livros-textos e assimiladas e divulgadas gradativamente pelos meios de comunicação, passando mesmo a pautar o comportamento social em vários setores da atividade humana.

Pela providência divina, chegaram às minhas mãos (isso há cerca de trinta anos) notícias sobre a existência de sociedades criacionistas no exterior, com intensa atividade de divulgação de literatura a respeito da controvérsia entre o criacionismo e o evolucionismo. Devido às circunstâncias que mencionei, interessei-me pela fundação de uma sociedade congênere no Brasil, já que era extremamente escassa a literatura criacionista em língua portuguesa, e se fazia sentir bastante a sua falta. Assim, em 1972, foi fundada a Sociedade Criacionista Brasileira, tendo início a publicação do seu periódico – a Folha Criacionista – que chegou a mais de 60 edições, ao longo desse período de três décadas.

A continuidade desse trabalho durante tanto tempo foi um verdadeiro milagre, devendo-se agradecer a Deus pelo sucesso alcançado em termos de um enorme número de pessoas interessadas que se beneficiaram, de uma forma ou de outra, com o trabalho realizado. Agradecimentos devem também ser estendidos a muitas pessoas que colaboraram de diferentes formas para tornar realidade esse empreendimento.

Poderia mencionar experiências de pessoas que foram encaminhadas às Escrituras graças ao ministério criacionista da SCB?

Na realidade, pela correspondência que temos recebido, são muitas as pessoas que se têm manifestado a respeito de terem tido os olhos abertos para a importância de seu posicionamento pessoal quanto à controvérsia evolução x criação, passando a entender que temos mesmo de lutar espiritualmente e diretamente contra as “hostes espirituais da maldade”, que tentam enredar os incautos nas malhas do agnosticismo e ateísmo.

Há casos de pessoas que nos haviam escrito em situação de desespero pela confusão mental – ocasionada pela doutrina evolucionista tanto no ambiente escolar quanto na vida social, tão influenciada pelos modernos meios de comunicação – e que conseguiram se livrar dos paradigmas e estruturas conceituais evolucionistas, passando a entender de maneira mais profunda o conflito no qual estamos imersos.

Há casos, também, de verdadeiras “reconversões” ou reavivamentos de pessoas cristãs que passaram a entender a conexão entre a pregação criacionista moderna e as últimas mensagens de Deus a um mundo que perece, conforme explicitado especialmente em Apocalipse 14:6-8.

Nestes trinta anos de atividades de divulgação do criacionismo, têm sido gratificantes as experiências de pessoas que, graças à literatura que temos publicado, verdadeiramente se converteram e se tornaram grande instrumento nas mãos de Deus para a pregação da mensagem adventista para o tempo presente. E, por tempo presente, entendemos esta época em que se proclama a mensagem de temer a Deus, dar-Lhe glória, e adorá-Lo como Criador.

A Folha Criacionista passou a se chamar Revista Criacionista no ano passado. Além disso, a SCB lançou dois novos periódicos intitulados De Olho nas Origens. Fale um pouco sobre esses lançamentos.

De fato, a Folha Criacionista tem apresentado evidentes sinais de evolução, e ainda: macroevolução! Na realidade, cada vez mais a Folha vem se profissionalizando mediante colaboração efetiva de voluntários, nas mais diversas áreas de atuação. Com nova “roupagem”, a Revista Criacionista apresenta projeto gráfico moderno e condizente com o mercado editorial.

Estudando-se a programação das atividades da Sociedade Criacionista Brasileira, concluiu-se que se deveriam substituir as antigas Folhinhas Criacionistas, que vinham inseridas como encarte na Folha Criacionista, por publicações independentes, dirigidas de maneira mais específica para alunos do curso fundamental. Assim, foram lançadas em fins de outubro de 2002 as duas publicações De Olho nas Origens 1 e 2, respectivamente para alunos da primeira a quarta série, e da quinta a oitava série.

Dessa forma o leque de publicações periódicas da Sociedade Criacionista Brasileira fica assim constituído: Revista Criacionista – dois números anuais; Ciência das Origens – três números anuais; De Olho nas Origens 1 e 2 – três números anuais. Cada publicação tem um determinado público alvo, e sua periodicidade permitirá contato mais constante com os leitores interessados nos temas criacionistas, com distintas focalizações.

É possível harmonizar fé e ciência?

Essa pergunta constitui um aspecto específico do caso mais geral que tem a ver com a crescente influência da ciência e da tecnologia modernas na vida diária em nossos dias, que, em seu extremo, leva à alegação de que o cristianismo em geral, e a Bíblia em particular, estão superados em face de numerosas “comprovações científicas” que desautorizam a crença nos seus ensinos básicos.

Nesse sentido, diversos questionamentos são feitos usualmente, como os seguintes: (1) Pode um cristão hoje ser ainda cientista? Pode um cientista ser hoje ainda um cristão? (2) A ciência moderna já não demoliu a base da fé cristã? (3) A fidelidade ao cristianismo exige que sejam rejeitadas todas as teorias da ciência moderna? (4) Devemos viver considerando a ciência e a fé cristã como coisas inteiramente separadas entre si? (5) Teria a ciência comprovado a fé cristã, como alguns cristãos alegam? (6) O que dizer dos que afirmam que o desenvolvimento científico atual exige que se inventem uma nova ciência e uma nova teologia mais adequadas para o novo milênio?

Questões como essas podem ser respondidas de forma satisfatória tanto para a autêntica fé cristã como para a ciência autêntica, desde que se levem em conta as perspectivas corretas. Por isso, deve-se evitar a falsa dicotomia entre fé e razão. De fato, fé e razão constituem aspectos essenciais de todas as atividades humanas, aí incluídas tanto a ciência como a teologia cristã. Ambas fazem suposições (fé) e, a partir delas, tiram conclusões (razão). A fé em ser o Universo algo racionalmente compreensível constitui uma hipótese da ciência. A fé nessa hipótese não somente motiva os cientistas a pesquisar, mas realmente torna a pesquisa possível e eficaz. Essa mesma fé pode constituir uma conclusão razoável proveniente do ensino bíblico a respeito do Universo ter sido criado por um Deus racional. Assim, ciência e fé não são conceitos que se contrapõem. Blaise Pascal, filósofo naturalista cristão, afirmava que a ciência é a atividade de “acompanhar os pensamentos de Deus”.

O Senhor vê evidência de planejamento no Universo?

Sem dúvida. Desde o microcosmo até o macrocosmo; em tudo. Consideremos, por exemplo, a estrutura atômica, molecular e cristalina das substâncias. Como explicar o surgimento dessas coisas por acaso? Moléculas orgânicas que têm a ver com a vida... Tudo isso indica que houve um planejamento. Se tudo fosse meio caótico, não haveria cristal, tudo seria amorfo. Não haveria átomos específicos em uma cadeia da tabela periódica. (A própria existência de uma tabela periódica, onde se podem fazer previsões a respeito das características dos elementos, significa que há uma ordem, que é o contrário da desordem característica da aleatoriedade, do acaso. A ordem é característica de planejamento, desígnio.)

Considerando a Terra, o sistema solar, a nossa e outras galáxias, vemos uma estrutura coerente e lógica a tal ponto de podermos estabelecer modelos que indicam planejamento. Tente fazer um modelo do comportamento da economia de certos países do chamado Terceiro Mundo, por exemplo. É algo extremamente difícil, pois há muitos fatores caóticos e aleatórios que acabam interferindo, como a bolsa de Hong Kong, portarias do governo, ou mesmo uma geada em outro país; tudo isso influi.

O próprio fato de poder existir ciência – que pressupõe que a determinadas causas vão corresponder determinados efeitos – já mostra planejamento no Universo. Senão, hoje largaríamos algum objeto e ele cairia. Amanhã, subiria. Depois, iria para o lado; e assim por diante. Mas não. As coisas invariavelmente têm a tendência de cair, o que permitiu a Newton descobrir (pois já existia) a Lei da Gravidade.

Como é possível obter maiores informações sobre a SCB?

Ruy Vieira: Através da nossa homepage www.scb.org.br, por e-mail: ruivieira@scb.org.br, pelo telefax: (61)368-5595 ou 468-3892, ou pela Caixa Postal 08743, CEP 70312-970, Brasília, DF.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Missão no Timor

Missionário brasileiro desenvolve trabalho pioneiro no mais novo país do mundo

Ronaldo Custódio Lino Pereira nasceu em setembro de 1959, em Campo Grande, MS, mas foi criado em Bauru, SP, desde seu primeiro ano de vida. Seus pais tornaram-se adventistas quando ele tinha seis anos de idade. Em Bauru, estudou na escola primária adventista. Em 1982 iniciou seus estudos de Teologia no Unasp (então IAE), formando-se em 1985. Concluiu o Mestrado em Teologia Pastoral em fevereiro de 2000, no campus 2 do Unasp.

Antes de ir para o Timor Leste como missionário, atuou como pastor distrital nas cidades de Sorocaba, Fernandópolis, Ribeirão Preto e Presidente Prudente.

Atualmente é o coordenador geral da Igreja Adventista em Timor Leste, de onde concedeu esta entrevista a Michelson Borges.

Casado desde 1984 com Ana Cristina Newlands, tem dois filhos: Jonathas e Rebeca.

Fale um pouco sobre o Timor Leste.

O Timor Leste se tornou oficialmente independente no dia 20 de maio de 2002, sendo reconhecido pela ONU como a mais nova nação independente do mundo.

O país é pequeno. Tem na sua parte mais extensa cerca de 300 km de comprimento e, no máximo, 80 km de largura. O número de habitantes fica em torno de 800 mil.

Está localizado no extremo sul do continente asiático, no arquipélago indonésio, e a 500 km ao norte da Austrália. Trata-se da metade de uma ilha: a parte leste constitui o Timor Leste; a parte oeste (ou Timor Ocidental) pertence à Indonésia.

O povo timorense descende de uma mistura de povos de outras nações e ilhas indonésias, como por exemplo dos indianos, dos vietnamitas, do povo de Kalimanta (província indonésia) e de outras ilhas.

No país são falados 34 dialetos, sendo que o tetum, o principal dialeto, tornou-se a língua mais falada. A língua portuguesa foi estabelecida pelo governo como a língua oficial do país. Porém, um número pequeno de habitantes (no máximo 10%) fala razoavelmente o português. As línguas mais faladas são: tetum, indonésio, português e inglês.

E os costumes dos timorenses?

Naturalmente eles possuem costumes e tradições bem diferentes daquilo com que nós, dos países ocidentais, estamos acostumados. Por exemplo: quando as pessoas pretendem se casar, a família do noivo deve dar o dote, que geralmente é uma certa quantidade de búfalos – sete, dez, vinte ou mesmo sessenta, dependendo da exigência da família e dos parentes da noiva. A família da noiva, por sua vez, deve prover presentes para o noivo, tais como: roupas, dinheiro, animais domésticos, e outras coisas mais. Após a cerimonia na igreja, que segue o estilo tradicional dos países ocidentais, todos os convidados participam da festividade por um período que geralmente se estende por uma semana ou mais. Os parentes da noiva se reúnem com os do noivo e passam um bom tempo analisando e calculando quem saiu lucrando; se a família da noiva, com o dote, ou se o noivo, com os presentes. Caso o noivo tenha lucrado mais, ele é obrigado a dar uma compensação, pois o dote que o noivo paga deve ser de maior valor (às vezes criam-se grandes conflitos, que levam até à morte de parentes dos noivos, dependendo da exaltação dos ânimos).

Os funerais também são curiosos. Quando uma pessoa morre, são feitos os preparativos para o enterro que geralmente só ocorre quando todos os parentes estão presentes. O período estabelecido para o enterro deve ser após as primeiras 24 horas, mas é muito comum se estender por dois, três ou mais dias, dependendo da chegada dos parentes, alguns dos quais residem nas montanhas ou em vilas muito distantes. Geralmente cada família deve levar alimentos para serem preparados durante o período do funeral ou dinheiro para ajudar na compra de alimentos ou com os gastos com o funeral. Durante o período em que o morto está sendo velado e após o enterro, são feitas as cerimônias, conforme as tradições animistas (geralmente com muitas velas acesas, alimentos e roupas para o morto).

Fartas mesas de alimentos são preparadas (contendo arroz, porco, frango, milho e outras variedades de alimentos). Isso ocorre três vezes ao dia, na parte da manhã, no horário do almoço e do jantar. Todos os presentes são convidados a participar das refeições. Após o enterro, a maioria retorna para a casa onde o morto foi velado, para continuar a participar das cerimônias e da alimentação. Isso ocorre até se completar uma semana.

Por cerca de vinte anos a Igreja Adventista praticamente não cresceu no Timor. A que se deveu isso? Quais as dificuldades?

A igreja chegou a ter quase 200 membros no fim dos anos 90. No entanto, devido aos conflitos políticos, em 1999 nossos irmãos indonésios foram obrigados a abandonar o país e voltar para seus países de origem, restando assim uma igreja com apenas três membros, dois timorenses e um indonésio.

Deve-se destacar também que o preconceito religioso, devido ao forte predomínio católico, à manutenção das atividades animistas e ao fato de o povo não ter fácil acesso à Palavra de Deus, tornou-se uma das maiores dificuldades na pregação do evangelho, tanto no passado como atualmente. Durante o período da ocupação indonésia no Timor Leste, a igreja local não desenvolveu atividades de caráter social nem evangelísticas que pudessem favorecer a conquista de pessoas desse país. E isso devido a duas situações: (1) a natural rejeição que os timorenses desenvolveram para com os indonésios, chegando a matar muitos deles em emboscadas ou nos mercados da cidade; e (2) o fato de os membros e a liderança da igreja não possuírem, na época, uma mentalidade ou formação que os levassem a estabelecer projetos evangelisticos adequados, como ocorre no Brasil. Esses dois fatores contribuíram fortemente para que a igreja não se desenvolvesse durante os vinte anos após a sua implantação no Timor Leste.

Como vocês têm trabalhado para mudar essa situação de preconceito?

No início, procuramos desenvolver atividades que estávamos habituados a realizar no Brasil, como por exemplo pequenas séries de conferências (apesar dos problemas com a língua), pesquisas e estudos bíblicos, visitação, etc. No entanto, com o passar do tempo, ao conhecer a realidade local e pelo fato de não termos alcançado resultados positivos, fizemos mudanças e estabelecemos novos planos.

Hoje desenvolvemos mais programas de caráter social, tais como cursos para mulheres, nas áreas de culinária e saúde, e cursos de costura, aulas de português, palestras educativas, etc.

Estamos trabalhando para implantar uma emissora de rádio, que deverá utilizar parte do tempo para transmitir programas que ajudem a população nas questões de caráter social. Uma escola de inglês e uma escola adventista também estão em nossos planos.

Temos direcionado nossa atenção para um trabalho mais especializado com os jovens, pois eles são menos preconceituosos e manifestam mais interesse em conhecer a Bíblia. Estamos treinando os poucos membros locais a fim de que desenvolvam uma mentalidade evangelística, especialmente em atividades que os coloquem em contato direto com as pessoas. E dois obreiros bíblicos foram contratados para dirigir classes bíblicas para jovens universitários.

Como foi a adaptação da família à nova vida?

Eu louvo a Deus por me haver dado uma esposa e filhos dispostos a acompanhar-me na missão de pregar o evangelho. Não é fácil para uma família deixar o conforto, a segurança, o convívio com os parentes e amigos e ir para uma localidade totalmente desconhecida e distante, onde a cultura e os costumes são completamente diferentes, onde os recursos são bem mais escassos, onde não há boas condições de saúde pública e especialmente onde há falta de segurança física.

As dificuldades, na área educacional, também são grandes, especialmente devido à questão do nível escolar e da língua. Com 17 anos meu filho foi enviado para um colégio num país distante, depois de vários meses desenvolvendo atividades no Timor Leste. Minha filha, que tem desempenhado várias atividades na igreja, teve que estudar por correspondência e ser diariamente supervisionada pela mãe.

No entanto, a despeito de tudo isso, minha família tem dado grande contribuição para a obra de Deus no Timor Leste, especialmente minha esposa, que tem desenvolvido projetos especiais em várias áreas.

Poderia contar uma experiência missionária interessante ocorrida aí?

Arito é o caçula dentre oito filhos de uma família tradicional no catolicismo e nas crenças animistas, que residia nas proximidades da igreja adventista em Dili. Há cerca de dois anos ele teve contato com um missionário coreano que estava auxiliando nas atividades evangelísticas aqui no Timor Leste. Logo se desenvolveu uma boa amizade entre os dois, o que animou o missionário a oferecer estudos bíblicos ao jovem. Arito aceitou e ficou cada vez mais interessado à medida que os assuntos eram apresentados.

Quando chegaram aos temas da guarda dos mandamentos e do sábado, o jovem ficou muito preocupado, pois pensava que até então ele e sua família estavam fazendo a vontade de Deus. Inquieto e desejoso de saber a verdade, procurou conseguir Bíblias nas diferentes línguas (indonésio, inglês, português) e começou a pesquisar sozinho as diferentes traduções, para ver se diziam a mesma coisa. Após constatar que, para ser fiel a Deus ele deveria observar os dez mandamentos e se tornar membro de uma religião diferente da que a sua família até então professara, passou a viver em constante conflito. A família, percebendo o que estava acontecendo, proibiu-o de ir aos cultos. Os próprios vizinhos passaram a vigiá-lo e a relatar aos pais e irmãos quando Arito se dirigia à igreja adventista.

Algumas vezes, sem que soubessem, ele vinha até nossa casa e, nessas ocasiões, aproveitávamos para esclarecer-lhe as dúvidas e fortalecer em seu coração o desejo de ser fiel a Deus, mesmo com a oposição da família e dos vizinhos.

Aos sábados, mesmo contra sua vontade, era obrigado a freqüentar as aulas, pois a família toda o pressionava.

Depois de alguns meses, estabelecemos um plano de pagar os estudos do Arito numa escola adventista na Indonésia. Devido ao fraco nível escolar no Timor Leste e à possibilidade de ter o filho estudando numa escola privada e ainda sem despesas para a família, os pais de Arito aceitaram que o enviássemos para a Indonésia. Poucos meses depois, Arito foi batizado e se tornou um forte e dedicado membro da igreja.

Nas ocasiões em que veio para visitar a família, procurou, mesmo com grande oposição, apresentar a mensagem adventista para os pais e irmãos. Aos poucos eles passaram a ser mais flexíveis com Arito e mais amigáveis com a igreja. Durante esses períodos de férias, Arito contribui muito com as atividades da igreja, por meio de cânticos e pregações na língua inglesa e em indonésio.

Após concluir o Ensino Médio, Arito foi enviado para estudar na Universidade Adventista da Indonésia, com recursos doados por um casal de irmãos que trabalham na ONU. Hoje ele se encontra no seminário adventista, cursando o teológico. Deseja se tornar pastor, poder voltar para o seu país e pregar o evangelho ao seu povo.

Como é a igreja adventista no Timor?

Atualmente [2003] temos 16 membros (cinco homens e 11 mulheres, entre juvenis, jovens e adultos). Também contamos com a presença de cinco membros que estão a trabalho no Timor, ou seja, apenas durante o tempo em que desenvolvem atividades para a Missão da ONU.

Temos apenas um templo em Dili e estamos trabalhando para tornar a igreja reconhecida pelo governo timorense. O Estatuto da igreja está sendo preparado, para que possamos desenvolver projetos visando ao estabelecimento de instituições.

Um pastor aspirante timorense tem desenvolvido suas atividades pastorais aqui. E recentemente dois obreiros bíblicos, um timorense e um indonésio, foram contratados e estão iniciando também suas atividades.

Com o poder de Deus, muito trabalho e consagração, esperamos o mais breve possível alcançar para Cristo as pessoas sinceras deste pequeno país.

Comunicação na Igreja

Devemos aproveitar as novas tecnologias sem negligenciar o testemunho pessoal

Em nosso tempo, grande destaque é dado para os modernos meios de comunicação. De fato, a Igreja Adventista do Sétimo Dia está-se servindo de rádios, TV via satélite, mensagens em cartões telefônicos, internet e outros meios para a evangelização. No entanto, é preciso não esquecer que o meio mais eficaz de levar a mensagem de salvação ao próximo é a comunicação interpessoal.

Para falar sobre a importância da comunicação dentro e fora da Igreja, o pastor e jornalista Siloé de Almeida, ex-diretor de Comunicação para a igreja adventista na América do Sul e atual diretor de Comunicação da Associação Paulista Central, concedeu esta entrevista a Michelson Borges.

O Pastor Siloé estudou teologia no Instituto Adventista de Ensino, Campus São Paulo, de onde saiu para assumir a direção da Escola Adventista do Brooklin, nos anos de 1977 e 1978. Sempre ligado à área de comunicação, enquanto estudava teologia, foi diretor de uma agência de publicidade em São Paulo. Mais tarde, estudou jornalismo na Faculdade Hélio Alonso, do Rio de Janeiro, e diz que teve o prazer de ter sido, por 23 anos, diretor de comunicação e ancião de várias igrejas, enquanto dirigia instituições.

Lecionou marketing para o curso de Especialização em Administração Hospitalar na PUC–RJ e foi administrador de quatro hospitais adventistas (dentre eles o Silvestre, no Rio de Janeiro), de 84 a 86. Em agosto de 95, assumiu o Departamento de Comunicação da DSA, onde ficou até 2005.

Casado com Marisa Amorin de Almeida, tem três filhos: Karina, Maurílio e Siloé de Almeida Jr.

Qual a importância do departamento de comunicação da igreja local?

Se a igreja mundial tem uma Escola Sabatina, é porque a Escola Sabatina funciona bem em cada igreja. Se quisermos ter comunicação efetiva na igreja ao redor do mundo, devemos ter comunicação em cada igreja local. A Igreja é um organismo humano, e qualquer instituição humana precisa de comunicação para sobreviver. O Departamento de Comunicação da igreja local é uma agência de comunicação que deve prestar assessoria aos demais departamentos, no sentido de conceber eventos e divulgá-los. Por isso, creio que nunca teremos uma comunicação efetiva na Igreja se não tivermos um departamento de comunicação ativo na igreja local.

A comunicação visual (fachada da igreja, placa de identificação, logomarca, pátio, jardins) é realmente importante?

É importante para dar identidade visual à organização. Toda comunicação visual fala mais do que a comunicação verbal; comunicamos somente sete por cento através das palavras. A apresentação (pintura, jardins, placa) é o cartão de visitas da igreja. Um bom exemplo da influência da boa apresentação ocorreu com o diplomata da embaixada de Trinidad e Tobago, Gerard Creene. Passando em frente à Igreja Adventista de Brasília, ele viu os jardins e parou para perguntar ao jardineiro o que era aquilo. Resultado: foi batizado. E a primeira coisa que lhe chamou a atenção foi o jardim; a comunicação visual.

Os(as) recepcionistas também desempenham papel importante na apresentação da igreja?

Sim. E por isso deveriam ser treinados(as) e sentir-se como “donos(as)” da igreja. Numa residência, quem recebe as visitas são as pessoas mais importantes da família. Geralmente o pai ou a mãe. É, portanto, fundamental haver treinamento para essa função, pois em todas as igrejas há pessoas capacitadas para isso.

Nossa “linguagem adventista” exclusiva atrapalha a comunicação?

É preciso haver uma revolução nesse aspecto. Mudar nossa linguagem para a forma mais coloquial possível. Por problemas de comunicação, algumas de nossas igrejas não são conhecidas na comunidade em que estão. Quando as pessoas descobrem que há ali uma igreja adventista, não sabem que podem entrar. E quando entram, ouvem um código de expressões tão fechado e particular que não se sentem à vontade.

Linguagem coloquial não significa falar gírias, termos chulos, expressões duvidosas ou preconceituosas. Significa, sim, falar aquilo que as pessoas possam entender. Por mais que nossas igrejas não sejam conhecidas, sempre há pessoas nos visitando; por isso devemos mudar o nosso “adventistês” para que essas pessoas entendam o porquê de Jesus ter vindo morrer por elas.

Devemos também evitar termos de exclusão. Ninguém gosta de ser considerado “não” em qualquer tipo de grupo. Portanto, jamais chamemos alguém que nos visita de não-adventista. De igual modo, aquele irmão que assiste ao culto de quarta-feira não gosta e não merece ser chamado de “pouco”. Infelizmente, há pessoas que iniciam o culto dizendo: “Embora sendo poucos...” Os que vieram ao culto de oração talvez tenham feito muitos esforços para estar ali, e merecem ser valorizados.

Num momento em que tanto se fala em rádio, televisão e internet não corremos o risco de, como igreja, negligenciar a comunicação interpessoal?

Todo modismo é um perigo. É verdade que o advento de novas tecnologias, quando bem empregadas, deve se transformar em bênçãos para a igreja, que deve conhecer e aplicar bem esses meios. O problema é que a pessoa pode se apegar demais ao rádio ou à internet a tal ponto de idolatrar o meio e desprestigiar o meio de comunicação mais importante que há na Terra: o homem. Nada substitui o testemunho pessoal, a comunicação interpessoal. Os meios são auxiliares, multiplicadores, mas a eficácia do testemunho pessoal é insubstituível.

Além disso, o advento de um novo meio não deve substituir os antigos; deve somar-se a eles. Ellen G. White diz que devemos usar todos os meios para a pregação do evangelho.

Despertar o interesse das pessoas pelo evangelho é importante; atendê-las, mais ainda. Como fazer isso?

Qualquer programa de rádio ou televisão é, na verdade, a divulgação de um produto, serviço ou idéia. Para tornar-se conhecido, ter audiência, ele deve ser divulgado. E o atendimento ao ouvinte ou telespectador é fundamental para fechar o ciclo da comunicação ou da venda.

Por exemplo: uma marca de iogurte anuncia seu produto mas não o coloca no supermercado. O desejo do consumidor foi despertado, mas, ao procurar o produto, não encontra. O que acontece? Ele compra outra marca. Quem gastou tempo, esforços e dinheiro na divulgação do produto foi a marca X, mas quem colheu foi a marca Y. Por isso, devemos divulgar o “produto” (em nosso caso, a mensagem de salvação), distribuir o “produto” e, depois, dar atenção pós-venda ao cliente.

O que podemos extrair de mais significativo na comunicação de Cristo?

Cristo foi o modelo de comunicação. Usava a linguagem certa de acordo com o público alvo, e quando faltava a linguagem adequada, falava por parábolas. Ele usava o aramaico, a linguagem coloquial da época, a linguagem do povo. Às vezes, nem os teólogos entendem isso.

Jesus era especialista em eliminar “ruídos” de comunicação para atingir o receptor de Sua mensagem. Dentre os “ruídos” que Ele eliminava está o preconceito. Jesus Se aproximava das pessoas derrubando preconceitos, como o existente entre judeus e samaritanos, por exemplo.

Portanto, se quisermos aprender a verdadeira comunicação – aquela que liberta e redime –, devemos caminhar com Jesus através dos evangelhos. E aproveitar para viajar um pouco, também, com Paulo, que foi um grande comunicador e imitador de Cristo.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Missionário na própria terra

Testemunho de um jovem que trabalhou em comunidade adventista negra de Santa Catarina

Vanderlei Ricken nasceu em Criciúma, SC, em 1969. Conheceu o evangelho na adolescência, por meio do irmão. Desde criança foi ensinado a ter reverência pelas coisas de Deus, em especial pela Bíblia. Quando passou a estudá-la mais profundamente, aceitou o chamado divino, seguiu os passos do irmão e uniu-se à Igreja Adventista (posteriormente, os pais e todos os irmãos também se tornaram adventistas).

É técnico em Química e bibliotecário do Colégio Adventista Central de Florianópolis. Casado com a professora cearense Vanderlande, mantém o site Verdade Online.

Para falar sobre o trabalho que desenvolveu no Valongo e da importância do espírito missionário, concedeu esta entrevista a Michelson Borges (a quem encaminhou ao adventismo, no fim da década de 1980).

O que é a comunidade do Valongo e como ela surgiu?

É uma comunidade bastante peculiar, que se distingue dos demais grupos rurais da região e é conhecida como Sertão do Valongo. Reservadas e formando uma grande família, moram no local cerca de 80 pessoas, divididas em 25 residências. O bairro pertence ao município catarinense de Porto Belo, distante cerca de 60 quilômetros de Florianópolis, mas a cidade mais próxima, Tijucas, fica a 12 quilômetros. O que chama a atenção nessa comunidade é a origem étnica de seus moradores e a religião que professam – são todos descendentes de africanos e são adventistas do sétimo dia.

A palavra “Valongo”, segundo os mais antigos, pode significar um local no meio da mata, onde se encontra um grande vale. Indícios apontam para o surgimento da comunidade como resultado da perseverança ou acomodação. No passado muitas famílias moravam no Sertão do Valongo, mas aos poucos, devido à escassez de madeira nativa e palmito, elas foram indo para outros lugares, permanecendo apenas três famílias de negros: Caetano, Costa e Fayal. Todos os valonguenses de hoje são membros dessas três famílias.

Há outras hipóteses para o surgimento da comunidade. Alguns acham que as famílias Costa, Fayal e Caetano sejam remanescentes dos 1639 escravos registrados na freguesia de Porto Belo, em 1851. Historiadores e mesmo movimentos negros de Florianópolis não dispõem de registros históricos que confirmem ter sido o sertão, no início de sua história, um quilombo.

No entanto, Regina Leopoldina Fayal, falecida em outubro de 1998, com 99 anos, contava que seus pais e outros ex-escravos foram os primeiros moradores da região, há mais de cem anos. A maioria dos habitantes do Valongo veio ao mundo pelas mãos de Dona Regina, que dos 30 aos 90 anos desempenhou a função de parteira da comunidade.

Outra versão para a origem da comunidade do Valongo (não confirmada por nenhum dos moradores mais velhos do sertão) é contada pelo senhor Abrão Manoel Godinho, que mora no município de Tijucas. Ao levar seu filho com o joelho machucado ao médico, conhecido como Dr. Nica, este lhe contou a seguinte história:

Quando a Lei Áurea foi assinada, alguns navios negreiros se dirigiam a Florianópolis. Antes de atracar, foram informados de que o tráfico de escravos estava agora proibido, e com medo de serem presos, os tripulantes mudaram de direção, adentrando a foz do Rio Tijucas. Próximo de onde o Rio Oliveira deságua, soltaram os africanos e queimaram as embarcações. Um grupo de negros fugiu para Timbé. Outro, teria se dirigido para Valongo. Tempos depois, os destroços dos barcos foram encontrados e o local passou a se chamar Bairro Nova Descoberta. Mas, como disse, nenhuma dessas versões está confirmada.

Como foi seu chamado para trabalhar no Valongo?

As histórias dos missionários sempre me empolgaram. Gosto de mudanças e de conhecer pessoas diferentes. Morei quase dois anos em Belém do Pará, dois anos no Ceará, alguns meses em Campo Grande, conheci minha esposa na Bahia e ficamos quatro anos no Sertão do Valongo.

Recebi o convite para morar no Valongo quando havia retornado do Ceará. Meu irmão, que é obreiro, soube que o casal que morava no Valongo antes de nós, Benedito e Elza, estava se aposentando. Ele telefonou para nós e explicou as grandes dificuldades que nos aguardavam. Aceitamos na hora.

Davi Livingstone recebeu uma carta de certa sociedade missionária perguntando se havia boas estradas para o interior da África. “É que queremos mandar outros missionários para ajudá-lo”, escreveram. E a resposta veio prontamente: “Se há pessoas prontas para vir somente se houver estradas boas, não quero que venham. Eu quero homens que venham mesmo que não haja nenhuma estrada.”

No que consistia o seu trabalho lá?

Fazia de tudo. Consertava rádios, chuveiros, tubulação, serviços de eletricidade, consertos de vidros, caixas d’água, pinturas, leituras de cartas e/ou documentos do pessoal, dava aulas de computação, inglês, música e flauta. Mas o mais importante era a contribuição espiritual, com classes de interpretação de textos, preparo de sermões e de pregadores, professores de Escola Sabatina e conjuntos musicais. Além disso, ajudava os departamentos da igreja de modo geral.

E qual o papel da igreja na comunidade?

Os valonguenses têm na igreja (prédio que se destaca logo que se chega à comunidade) a principal atividade social. Eles gostam muito de cantar e participar das atividades sociais. Além disso, a rádio Novo Tempo, de Florianópolis, ajuda muito, levando informação e entretenimento aos lares valonguenses.

Como a mensagem adventista alcançou o Valongo?

Tudo começou com um jovem chamado Mário Caetano. No ano de 1923 apareceu no Valongo um colportor missionário que pediu hospedagem na casa de Marcelino Marinho Caetano, pai de Mário. Como seu pai se negou a oferecer abrigo ao visitante, Mário (na época recém-casado e morando na casa dos pais) ofereceu seu quarto ao moço. Para não piorar a situação, o missionário resolveu ir embora no dia seguinte, bem cedo. E para demonstrar sua gratidão, deu o livro Nossa Época à Luz das Profecias, da Casa Publicadora Brasileira, de presente a Mário.

Nas horas vagas, quando não estava na lavoura de cana-de-açúcar ou no moinho de farinha, Mário lia o livro, com interesse. E foi ali que descobriu a mensagem da segunda vinda de Cristo e do sábado. Ele começou a falar aos outros sobre suas descobertas e, aos poucos, mais e mais valonguenses se convenciam da importância da mensagem daquele livro. Algum tempo depois, Mário deixou, inclusive, de produzir cachaça em seu alambique, por entender que Deus desaprova o consumo de álcool.

No dia 5 de janeiro de 1932, Mário foi batizado com sua filha Leontina (então com 14 anos). Outros crentes foram preparados para uma cerimônia posterior. A mãe de Mário aceitou a mensagem cinco anos depois, e o pai, Marcelino, renegou a família por aquela decisão.

Os cultos da comunidade do Valongo eram realizados, quase sempre, na casa de Mário, até que em 23 de novembro de 1962 foi inaugurado o primeiro templo (uma casa de madeira onde hoje moro com minha esposa). O templo atual, de alvenaria, foi inaugurado em 12 de novembro de 1994.

Então a Palavra de Deus exerceu profunda mudança entre os habitantes do Valongo.

Sem dúvida. A mudança que se operou no sertão do Valongo após a chegada da mensagem do evangelho foi realmente profunda, e mesmo pessoas de fora puderam perceber isso. Vera Teixeira, professora de Antropologia e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina, esteve no Valongo em 1987, e descreve suas impressões da seguinte maneira: “Este grupo rural encontrou na religião um sentido de união que estimulou formas de solidariedade e possibilitou a positivação de sua identidade enquanto grupo, pois se antes eram os ‘pretos do sertão’, hoje os valonguenses são conhecidos como ‘os adventistas’.”

Que trabalho sua esposa desenvolveu na comunidade?

Conheci minha esposa no Instituto Adventista de Ensino do Nordeste (Iaene). Ela fez Magistério e Ensino Religioso lá. Na verdade, ela foi o motivo maior do nosso chamado, pois a parte mais importante de nossa missão era “educar uma nova geração para Deus”. Ela lecionava para crianças de primeira a quarta série, na única sala da escola da comunidade, todos os alunos juntos, num mesmo horário. Ela fez verdadeiros milagres com as condições de que dispunha. E também dava aula de pintura em tecido para as mulheres da comunidade, o que foi o maior sucesso. Vinham mulheres até de outros lugares para aprender a pintar com ela.

Qual é a sua visão de um missionário?

Segundo Ellen White, todos somos missionários a partir do momento em que nos convertemos. Quando juvenil, aprendi um corinho que nunca saiu do meu coração: “Um dia Cristo me falou que não é preciso eu transpor o mar para ser para Deus um missionário. É só seguir o Seu caminho e tu verás como é fácil ser para Deus um missionário.”

Ser missionário é, de uma forma ou de outra, se envolver de coração com a missão. Apresentar Jesus aos que nos rodeiam e àqueles com quem entramos em contato.

Desde sua conversão você sempre esteve envolvido no trabalho missionário. Como você avalia a importância desse tipo de trabalho para a vida espiritual do jovem?

Há uma citação que mantenho em minha Bíblia e que responde bem essa pergunta: “Meus irmãos e minhas irmãs, quereis romper o encanto que vos prende? Quereis despertar dessa indolência que se assemelha ao torpor da morte? Ide trabalhar, quer vos sintais dispostos a isto, quer não. Empenhai-vos em esforço pessoal para levar almas a Jesus e ao reconhecimento da verdade. Em tal trabalho encontrareis tanto um estímulo como um tônico; ele a um tempo despertará e fortalecerá." – Testemunhos Seletos, vol. 2, págs. 128 e 129.

Convivendo no ambiente secularizado da universidade, onde você se formou em Biblioteconomia, que tipo de testemunho é o mais eficaz ali? Como manter a fé no campus, frente aos ataques das filosofias seculares?

Na universidade encontrei as “espécies” mais exóticas possíveis e o exemplo ali é, sem dúvida, o maior testemunho. Mas não significa que isso dispense o testemunho falado. É preciso falar de Jesus aos outros. Quando evidenciamos nossas prioridades e valores cristãos, torna-se impossível não impressionar as pessoas (ainda que, por isso, alguns nos considerem “loucos”).

Acredito que quando não temos vergonha das nossas crenças e apresentamos um cristianismo equilibrado e coerente, conseguimos enfrentar as filosofias seculares e deixamos um rastro de luz por onde passamos.

quinta-feira, outubro 19, 2006

A caixa preta de Darwin

Michael J. Behe nasceu em 1952 e cresceu em Harrisburg, Pennsylvania. Bacharelou-se em Química, em 1974, pela Universidade Drexel, em Philadelphia. Fez pós-graduação em Bioquímica, na Universidade da Pennsylvania, e obteve seu doutorado em 1978, sendo o tema de sua tese a anemia falciforme. De 1978 a 1982 fez pós-doutorado sobre a estrutura do DNA, no National Institute of Health. Entre 1982 e 1985 foi professor assistente de Química no Queens College, na cidade de Nova Iorque. Em 1985 mudou-se para a Universidade Lehigh, onde atualmente é professor de Bioquímica.

Em sua carreira profissional escreveu mais de 40 artigos técnicos e um livro, Darwin’s Black Box: The Biochemical Challenge to Evolution (publicado no Brasil pela Jorge Zahar, com o título A Caixa Preta de Darwin), no qual argumenta que os sistemas vivos, em nível molecular, são melhor explicados como sendo o resultado de planejamento inteligente. Esse livro foi resenhado por mais de uma centena de periódicos, entre eles: The New York Times, Nature, Philosophy of Science e Christianity Today. Atualmente, o Dr. Behe e sua esposa residem nas proximidades de Bethlehem, Pennsylvania, com seus oito filhos.

Nesta entrevista, concedida a Michelson Borges, Behe fala sobre suas idéias e explica por que abraçou a teoria do Design Inteligente.

Em seu livro A Caixa Preta de Darwin o senhor descreve os sistemas de complexidade irredutível. O que são eles?

Sistemas de complexidade irredutível são aqueles que necessitam de partes múltiplas para funcionarem; se uma parte é removida, o sistema não funciona mais.

Para Darwin e seus contemporâneos do século 19, a célula, por exemplo, era uma “caixa preta”. Era simplesmente muito pequena, e a ciência daquela época não dispunha de ferramentas para investigá-la. Os microscópios daquele tempo eram bem rudimentares e as pessoas podiam ver só os contornos da célula. Assim, muitos cientistas pensavam que a célula era bastante simples, como um pedacinho de gelatina microscópica.

A partir daquela época, a ciência tem mostrado que a célula é um sistema extremamente complexo, que contém proteínas, ácidos nucléicos e diversos tipos de “máquinas miniaturizadas”. No meu livro eu examino várias dessas “máquinas” e argumento que a seleção natural darwiniana não pode tê-las produzido justamente por causa do problema da complexidade irredutível.

Acredito que tais sistemas são melhor explicados como o resultado de um deliberado planejamento inteligente. E eu cheguei a essa conclusão por um tipo de argumento lógico indutivo: sempre que vemos tais sistemas no mundo real, no mundo macroscópico de nossa vida cotidiana, concluímos naturalmente que eles foram, de fato, projetados. Ninguém se depara com uma ratoeira e se pergunta se foi projetada ou não.

Essa é uma das analogias usadas em seu livro. Explique melhor que relação o senhor estabelece entre uma ratoeira e os sistemas bioquímicos.

Certo. Suponhamos que queiramos fabricar uma ratoeira. Na garagem, podemos ter uma tábua de madeira velha (para a plataforma ou base), a mola de um velho relógio de corda, uma peça de metal (para servir como martelo) na forma de uma alavanca, uma agulha de cerzir para segurar a barra, e uma tampinha metálica de garrafa, que julgamos poder usar como trava. Essas peças, no entanto, não poderiam formar uma ratoeira funcional sem modificações excessivas e, enquanto elas estivessem sendo feitas, as partes não poderiam funcionar como ratoeira. Suas funções anteriores as teriam tornado impróprias para quase qualquer novo papel como parte de um sistema complexo.

Assim, para que a ratoeira exista e funcione, é preciso que todas as suas partes funcionem perfeitamente, da mesma forma como deve ocorrer com os sistemas bioquímicos. Nada pode faltar e, por isso, não podem ter evoluído em etapas sucessivas.

Poderia mencionar alguns desses sistemas irredutivelmente complexos?

Os sistemas de complexidade biológica irredutível incluem o flagelo bacteriano, que é literalmente um motor externo que algumas bactérias usam para nadar: tem hélice, eixo acionador, motor, uma parte fixa, um mancal e outras partes mais. Outro exemplo é o sistema de transporte intracelular, que é um sistema de “rodovias”, “sinais de trânsito” e “vagões moleculares” que transportam carga por toda a célula.

Por contestar o paradigma evolutivo, seu livro tem causado bastante polêmica nos meios científicos. O senhor já previa isso? Quais foram os principais tipos de contestação?

Com certeza, eu previa que meu livro causaria controvérsia. Os darwinistas têm replicado dizendo, principalmente, que explicarão os sistemas moleculares no futuro, talvez dentro de dez ou vinte anos. Para dizer o mínimo, sou bastante cético quanto a essa pretensão.

A primeira reação da maioria dos críticos é dizer: “Isso é apenas criacionismo levemente disfarçado.” E em resenhas escritas por cientistas eles falam freqüentemente sobre os primeiros capítulos de Gênesis e do “Julgamento da Criação”, de Arkansas, nenhum dos quais eu menciono no livro. Assim, eles tentam condenar meu trabalho através do processo de associação. Eles também não vêem que há uma distinção entre chegar a uma conclusão simplesmente pela observação do mundo físico, como se espera que um cientista faça, e chegar a uma conclusão baseado na Bíblia ou em convicções religiosas.

Que influência o livro de Michael Denton (Evolution: A Theory in Crisis) teve em sua mudança de pensamento em relação ao evolucionismo?

O livro de Michael Denton foi muito importante para o meu ponto de vista. Ele foi o primeiro cientista, dos que eu li, que questionava a evolução baseado estritamente na ciência. Era algo novo para mim e me mostrou que havia muitos problemas inexplicáveis no Darwinismo.

A partir de então, procurei por pesquisas que pudessem dizer como os sistemas bioquímicos foram gradualmente produzidos durante a evolução. Descobri rapidamente que tais documentos não existiam. Assim, com o passar do tempo, percebi que, de fato, esses sistemas só poderiam ser o resultado de um planejamento inteligente.

Estive isolado durante algum tempo. Então li o livro Darwin on Trial, de Phillip Johnson, e gostei bastante. Vi num número da revista Science que havia uma resenha do livro de Johnson. Eu fiquei muito entusiasmado e pensei: “Isso é demais! Eles terão que discutir alguns desses assuntos, e verei o que eles têm a dizer sobre isso.” Mas quando li mais detidamente o texto, percebi que não era uma resenha, era simplesmente uma advertência dizendo: “Este livro é antievolucionista. Advirta seus estudantes, pois ele está confundindo o público.” Fiquei bastante desapontado, pois eles não discutiam o conteúdo do livro. Não era nem mesmo uma refutação. Pensei: não é assim que a ciência deve ser.

Escrevi uma carta ao editor de Science, mostrando que eles deveriam discutir os assuntos envolvidos, e não apenas rejeitá-los. Science publicou minha carta, Johnson a viu e me escreveu. Foi assim que nós começamos a nos corresponder. Desde então tenho sido convidado a algumas reuniões nas quais ele está envolvido, e essa é a maneira como eu me envolvi nessa comunidade de pessoas interessadas no assunto Intelligent Design.

No que seu livro difere de outros sobre evolucionismo?

O argumento a favor da evolução é melhor resumido no livro O Relojoeiro Cego, de Richard Dawkins. É uma leitura fascinante, e é interessante notar como Dawkins e Denton usam exemplos semelhantes, mas chegam a conclusões completamente diferentes. Denton usa uma analogia com o idioma inglês dizendo que frases são difíceis de se criar. Dawkins tem uma seção onde ele usa um computador para gerar uma frase, tentando mostrar com isso que a evolução é fácil. Eu percebi que esses livros discutiam o problema num nível muito básico, não apenas em relação à ciência, mas ao conhecimento em geral. Quer dizer, como você sabe algo? Como você apóia uma teoria com evidência? E quais extrapolações são legítimas? Em meu livro, procurei aprofundar a questão.

Por que, na sua opinião, movimentos como o Design Inteligente têm crescido tanto?

Porque o Design Inteligente incorpora o ceticismo que muitas pessoas têm acerca do Darwinismo, e desafia a evolução em seu próprio território, como uma teoria científica.

Como sua mudança de foco, no que concerne à evolução bioquímica, afetou sua forma de lecionar?

Não afetou muito minha forma de lecionar, exceto pelo fato de que eu mostro aos alunos a natureza intrincada dos sistemas bioquímicos e saliento que ninguém demonstrou como eles podem ser produzidos através de processos aleatórios.

No fim de 1980, a Universidade Lehigh decidiu desenvolver um programa de seminários para calouros. São cursos que têm o objetivo de fazer os novatos ficarem entusiasmados com a carreira que escolheram. Assim, a administração estava procurando voluntários que sugerissem cursos. Eu criei um curso que chamei de “Argumentos populares sobre evolução”, no qual lemos Denton e Dawkins. Esse curso tem sido muito popular entre os estudantes. A maioria deles entra para a universidade acreditando na teoria da evolução, mas muitos deles, quando terminam o curso, dizem que, embora ainda acreditem na evolução, agora vêem o assunto como muito mais complexo e problemático. Como professor é meu objetivo fazê-los pensar por si mesmos e não simplesmente confiar no que as pessoas dizem, como eu fiz uma vez.

Pode-se aceitar a teoria do Design Inteligente como puramente científica, sem apelar para a religião?

Sim, o Design Inteligente pode ser uma teoria puramente científica, porque está totalmente baseada em evidência física – a estrutura de sistemas celulares. Não se baseia em argumentos filosóficos, teológicos ou bíblicos, mas em evidência física.

Uma analogia que eu gosto de traçar é com a Física: muitos físicos estavam infelizes com a idéia do Big Bang porque parecia ter implicações teológicas óbvias. Todavia, os físicos a aceitaram como uma teoria científica legítima e trabalharam sobre ela. Eu vejo o Design Inteligente do mesmo modo: pode ter implicações religiosas mas é uma teoria científica clara baseada apenas em observações de sistemas bioquímicos, e nós deveríamos aceitá-la e trabalhar a partir dela.

O senhor fez diversas pesquisas em publicações de divulgação científica como o Journal of Molecular Evolution, em busca de explicações para os mecanismos da evolução biológica. O que concluiu?

As publicações científicas não apresentam detalhes, modelos testáveis, nem evidências experimentais mostrando que os processos darwinianos poderiam desenvolver sistemas de complexidade irredutível. Concluo que a evidência está faltando porque sistemas complexos não podem ser desenvolvidos por forças aleatórias.

O Journal of Molecular Evolution tem aproximadamente 25 anos e publicou mais de mil artigos desde sua primeira edição. Essa revista publica muitos artigos sobre comparações de seqüências de moléculas de proteínas, DNA e outras, na tentativa de determinar uma ancestralidade comum. Assim, organismos que possuíssem seqüências semelhantes de aminoácidos em uma determinada proteína, por exemplo, seriam descendentes de um ancestral comum. Isso pode ser interessante, e pode ser uma questão legítima, mas comparar seqüências simplesmente não lhe diz nada sobre como essas complexas máquinas moleculares surgiram. Assim, durante os seus 25 anos de existência, o Journal of Molecular Evolution evitou completamente a questão de como esses sistemas extremamente complexos poderiam ter surgido.

Lamentavelmente, a maioria dos cientistas ignora completamente a evolução no seu funcionamento, e aqueles que pensam no assunto simplesmente procuram por associações e não se preocupam com o Darwinismo em si. Extraordinariamente, isso tem muito pouco a ver com o trabalho cotidiano da ciência e serve basicamente como um suporte filosófico que, na minha opinião, está apenas inibindo a verdadeira pesquisa sobre como a vida se desenvolveu.

Já que a ciência procura se caracterizar pela busca da verdade, por que é tão difícil, por exemplo, publicar um artigo com opinião discordante do evolucionismo?

Apesar da imagem popular, os cientistas são pessoas normais, com seus próprios preconceitos. Se alguém pretende desafiar uma crença profundamente defendida, pode esperar resistência.

Em entrevista concedida a uma revista brasileira de divulgação científica, a professora de história da ciência da Universidade da Flórida, Vassiliki Betty Smocovitis, disse, referindo-se aos criacionistas, que eles são “especialistas autoproclamados”, sem credenciais científicas. O que o senhor pensa a respeito?

Alguns criacionistas não têm credenciais, mas outros têm. Os que têm credenciais incontestáveis têm chamado a atenção para muitos problemas sérios no Darwinismo, os quais não se pode honestamente descartar.

O senhor vislumbra algum tipo de mudança de paradigma no futuro? Quem deverá mudar mais: a igreja ou a ciência?

A ciência muda à medida que mudam os dados, embora leve tempo. Acredito que a ciência acabará se voltando ao Design Inteligente, pois é nessa direção que os dados apontam. Ao contrário da ciência, a essência da religião não muda.

Vários cientistas, como o zoólogo adventista Dr. Ariel Roth, defendem uma integração entre fé e ciência. Como cientista cristão, o senhor acha possível conciliar a visão científica com a religiosa?

Acredito que por fim a ciência e a religião convergirão para a mesma verdade, pois só existe uma verdade.

O que a Teologia tem a oferecer à ciência na busca da verdade?

A Teologia pode mostrar à ciência que existe algo mais além da matéria e do movimento, que o mundo é mais complicado do que muitos cientistas crêem. A Teologia também pode salvaguardar a ciência do orgulho que acompanha a tentativa de explicar todas as coisas.

Entrevista originalmente publicada no livro Por Que Creio.