Belisário é psicólogo e filósofo |
Psicólogo experiente
explica o que é saúde mental e como a religião está relacionada com ela
Belisário
Marques de Andrade é mineiro de São José do Salgado. Aos 16 anos foi para o
então Colégio Adventista Brasileiro, atual Unasp, campus São Paulo – um marco
em sua vida. Formou-se em Educação Física pela USP, em Filosofia pela PUC de
Campinas e em Psicologia pela USP, nessa sequência. Lecionou no Unasp, na Umesp
e na Unicamp. Fez o mestrado e o doutorado na Universidade de Maryland (EUA),
sendo o primeiro psicólogo brasileiro adventista a receber o título de PhD na
área. Contribuiu para a abertura dos cursos de Pedagogia e Psicologia do Unasp.
Durante 20 anos foi colunista da extinta revista Mocidade, e há mais de uma década escreve para a Vida e Saúde. Nos últimos 15 anos, tem
se dedicado exclusivamente à psicoterapia individual, de casal e familiar. É
casado há quase 60 anos com sua namoradinha da adolescência, a professora e
advogada Geny Daré Marques. Contemplar as montanhas verdejantes e altaneiras de
Minas Gerais é o hobby preferido do
casal.
As
realizações do psicólogo mineiro Belisário Marques de Andrade podem ser
contadas por décadas. São mais de oito de vida; quase seis de casamento e cinco
de profissão. Nesta entrevista concedida ao jornalista Michelson Borges e originalmente publicada na Revista Adventista, o
experiente psicólogo fala sobre o que é saúde mental, como a espiritualidade
pode contribuir ou atrapalhar o equilíbrio emocional e quando é necessário que
um cristão busque a ajuda de um psicólogo.
O que é uma pessoa
mentalmente saudável?
É
a que se adapta à realidade em que vive. Assume responsabilidade pelos próprios
comportamentos. Satisfaz suas necessidades sem prejudicar a si mesma e as
pessoas ao redor. Regula seus sentimentos e emoções, a fim de não criar
conflitos com outras pessoas, nem ficar doente. É uma pessoa capaz de enfrentar
os desafios do cotidiano sem se aproveitar de ninguém. É uma pessoa com
trânsito livre em seus relacionamentos porque não tem dívida com os outros.
Geralmente é uma pessoa humilde porque é realista sobre suas qualidades e
defeitos. Está sempre em crescimento e sabe cuidar de sua própria vida. Resumindo:
é uma pessoa autônoma, livre, autodeterminada, autodisciplinada e responsável.
Quais são as principais
doenças mentais?
Atualmente,
são aquelas relacionadas ao estilo de vida, como a síndrome do pânico,
depressão, ansiedade, bipolaridade, anorexia, bulimia e esquizofrenia. Além de
problemas existenciais, como indecisão, relacionamentos insatisfatórios, falta
de envolvimento, solidão e medo da morte. É preciso cuidar para não rotular as
pessoas a partir de suas patologias, pois as consequências podem ser muito
prejudiciais.
Que fatores mais
contribuem para o aparecimento ou agravamento dessas enfermidades?
São
as condições nas quais a pessoa cresce e vive. Isso inclui fatores como a
qualidade dos relacionamentos, estresse, mudanças, pressões e frustrações.
Contudo, o que mais agrava a patologia são os conflitos psíquicos ou emocionais
com os quais o indivíduo convive, sejam as situações mal resolvidas, os
segredos guardados e o medo de serem revelados; a incoerência entre o que
pratica e no que acredita, a comparação com os outros, os sentimentos e
pensamentos negativos que carrega e a autopiedade.
Os adventistas levam
alguma vantagem nessa área?
Não
é a religião que faz diferença, mas a religiosidade da pessoa. Religiosidade
deve ser entendida como um princípio que você aceita e acredita ser válido,
internaliza e transforma numa diretriz da própria vida. Por alimentar
sentimentos positivos e esperançosos, a religiosidade saudável traz inúmeros
benefícios: melhor autocontrole; autoestima, satisfação no casamento;
contentamento com a vida; humor; além de menos envolvimento com drogas,
promiscuidade, crime e menor vulnerabilidade ao impulso suicida.
O que fazer, então, para
ter uma mente saudável?
Ter
um estilo de vida que contribua para promover o mínimo de conflitos. Isso não
quer dizer que eles não existirão, mas que será mais fácil aceitá-los e
resolvê-los. A saúde mental é como a salvação, um ideal que se busca enquanto
estamos por aqui.
E o que dizer do
crescente número de estudos sobre o impacto positivo da espiritualidade sobre a
saúde?
Nos
últimos 20 anos, a Associação Americana de Psicologia (www.apa.org) tem lançado
vários volumes tratando dessa questão. O que as pesquisas mostram é que, se a
pessoa percebe a Divindade como um ser benevolente e tem um bom relacionamento
com essa “força superior”, desenvolve estratégias de enfrentamento mais
saudáveis. Para tanto, é preciso que o indivíduo viva uma experiência religiosa
de fato e seja coerente com sua profissão de fé.
Por outro lado, uma
religião distorcida pode prejudicar também?
Sim
e muito. Quando a religiosidade é superficial, hipócrita ou “morna”, como no
conceito de Apocalipse 3, os resultados deixam de ser positivos. Vale lembrar
que essa distorção pode ser responsabilidade do adepto da religião e/ou do
líder dela. Uma religiosidade caracterizada pela encenação, incoerência,
imposição, rigidez, intolerância, competitividade, manipulação, agressividade,
preconceito, rejeição e autoritarismo alimenta e propaga doenças mentais.
Antigamente, os
religiosos tinham certa resistência à psicologia. Esse preconceito acabou?
Preconceito
leva tempo para acabar e não sei se realmente acaba. Penso que a resistência
surgiu entre os adventistas pela má compreensão do que Ellen White escreveu em
1862, 1884 e 1894: de que Satanás usa a frenologia, a psicologia e o mesmerismo
para atingir o ser humano (Mente, Caráter
e Personalidade, v. 1, p. 19; v. 2, p. 698, 711). O segundo fator é a
crença de que Deus vai resolver todos os nossos problemas, basta esperar.
Prefiro crer que Ele não isenta o ser humano de suas responsabilidades na
condução da própria vida. Por isso, vejo como válida a ajuda que a psicologia
oferece. Hoje, os adventistas parecem ter entendido melhor isso. Temos cursos
de Psicologia no Unasp e Iaene. Espero que o trabalho ético dos profissionais
formados nessas duas instituições contribua para a maior aceitação da nossa
profissão.
Ellen White parece ter
falado muito sobre as doenças psicossomáticas. O que a ciência tem revelado
sobre isso?
O
conceito de psicossomática tem que ver com o debate sobre a origem das doenças.
Há os que atribuem as doenças físicas a causas exclusivamente orgânicas; outros
veem uma origem psíquica para elas; enquanto um terceiro grupo percebe a
influência mútua. Essa última postura é a mais aceita pelos cientistas. Algumas
enfermidades que podem ser psicossomáticas são a asma, bronquite, rinite,
colites, hipertensão, fibromialgia e algumas dermatites e disfunções sexuais.
Ellen White não poderia ter usado essa expressão porque ela surgiu em 1918,
três anos após sua morte. Porém, a pioneira escreveu muito sobre a relação
entre a mente e a saúde física, especialmente nos dois volumes de Mente, Caráter e Personalidade.
A seu ver, existe alguma
abordagem da psicoterapia que combina mais com o adventismo?
Minha
visão é tendenciosa porque reflete mais uma preferência pessoal do que uma verdade
científica. Acredito que a abordagem do humanismo, fenomenologia e
existencialismo, chamados na psicologia de “a terceira força”, aproximam-se
mais do adventismo porque valorizam a dignidade humana. Por sua vez, o
behaviorismo e a psicanálise são mais deterministas e tendem a negar o
livre-arbítrio. O behaviorismo animaliza o homem e a psicanálise realça seus
atributos negativos. Entretanto, ambas as vertentes dão grande contribuição
para a compreensão da psiquê humana.
O psicólogo cristão
enfrenta algum conflito ético em usar princípios de sua religião no exercício
da profissão?
Ele
é um profissional credenciado e habilitado para oferecer um tipo específico de
serviço de saúde, com base somente em técnicas científicas. Se fizer uso da
religião e ganhar por isso, pratica charlatanismo. Quando o profissional é
religioso, certamente sua conduta testemunhará sobre sua fé, mas fazer
proselitismo é antiético. Não existe terapia denominacional ou confessional.
Quando alguém deve
procurar um conselheiro espiritual e quando deve procurar ajuda de um
psicólogo?
O
conselheiro espiritual geralmente é procurado num primeiro momento, quando
ainda não se tem noção da gravidade do caso. Sua intervenção é útil quando a
questão envolve dúvidas sobre o caráter de Deus e a perda da fé. Porém, se a
pessoa descobre que não está conduzindo a própria vida de modo adequado e que
os conflitos e as mudanças lhe causam considerável sofrimento, deve procurar a
psicoterapia. Em casos de depressão, síndrome do pânico e distúrbios de
comportamento, o líder religioso deve reconhecer suas limitações e encaminhar a
pessoa para que receba ajuda profissional. Essa é uma questão séria, porque em
termos de saúde mental, a pseudoajuda resulta em mais prejuízos do que
benefícios. Em resumo, o psicólogo preocupa-se com a saúde mental e o líder
religioso com a salvação.