quarta-feira, julho 18, 2018

Uma praga chamada marxismo cultural


Samuel Fernandes Caldas nasceu em 1970 e é licenciado em História. Casado com Viviane Borges Moraes Caldas, trabalhou como metalúrgico, motociclista, professor no Colégio Constelação, na rede estadual de educação, e atualmente é professor de História da rede municipal de educação em São Paulo. Seus principais passatempos são ler e brincar com o filho caçula de três anos, junto com a esposa. Foi membro das igrejas adventistas de Itaquera, Cidade Líder, Artur Alvim, Vila Cosmopolita, e desde 1991 faz parte da Igreja Adventista de José Bonifácio, em São Paulo. Nesta entrevista, concedida ao jornalista Michelson Borges, ele fala sobre um assunto ao qual tem dedicado horas de estudo: o marxismo cultural.

Poderia definir marxismo cultural?

Primeiro, é preciso reconhecer meus limites aqui; minha resposta, ainda que sinteticamente verdadeira, pode não abarcar as amplas e complexas nuances do tema. O que costumamos chamar de marxismo cultural é, na verdade, o resultado de um desdobramento das ideias principais de Karl Marx, mas com nova roupagem e métodos diferentes, mais suaves, ainda que não menos maléficos em seus efeitos. Vale lembrar que Marx via toda a História marcada por uma luta de classes, opressores e oprimidos, e em seu tempo (século 19), entre burgueses e proletários. Para dar fim àquele estágio da humanidade os proletários deveriam, segundo Marx, pegar em armas e derrubar os burgueses do poder, estabelecendo assim a ditadura do proletariado, fase socialista do projeto comunista, que deveria ser sucedida por uma etapa mais avançada e atingiria o auge com o advento de uma sociedade sem papa e sem rei, onde todas as coisas seriam comuns a todos. 

Havia também uma alternativa de revolução por meio da desapropriação da propriedade privada em decorrência da crescente taxação tributária, paulatinamente, a fim de não despertar levantes populares – o que parece muito com o que ocorre no Brasil atualmente (desde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, a taxação no Brasil subiu vertiginosamente, e a tendência é piorar).

Como o primeiro projeto falhou na Revolução Bolchevique de 1917, sobretudo porque na Primeira Guerra Mundial o “proletariado” se empenhou em lutar por sua nação, mostrando assim não ter nenhuma consciência de sua classe e função histórica, Antônio Gramsci propôs o caminho da batalha cultural, assim como Georg Lukács e os membros da Escola de Frankfurt, ou seja, não atacariam a infraestrutura econômica/material da sociedade composta por burgueses e proletários numa relação material econômica, mas a superestrutura cultural que dá fundamentos àquela realidade.

A superestrutura cultural que dá força à civilização ocidental é tripartite, sendo fundada sobre o direito romano (propriedade privada, leis de proteção ao indivíduo), sobre a filosofia grega (a busca incansável pelo real, pela verdade, pelo belo, pela virtude na vida) e pela ética judaico-cristã (valores como casamento heterossexual, da vida humana, da modéstia, da responsabilidade individual diante de Deus, etc.). Esses são os objetos culturais que estão sendo atacados a olhos vistos desde a década de 1920.

Mais um detalhe: a Revolução Bolchevique (de outubro de 1917) foi um movimento de alguns intelectuais russos de ascendência israelita em sua maioria, que dirigiram as massas populares na sublevação e se aproveitaram da frágil conjuntura russa de descrédito do governo, de insipiência da indústria, de desemprego e da derrota para os japoneses em 1905, e depois houve também o domingo sangrento em que, sob as ordens do czar, cerca de 90 pessoas foram fuziladas, a fome reinante, a agricultura antiquada, do ponto de vista moral e religioso a presença e influência de Rasputin na corte russa, a entrada do país na Primeira Guerra Mundial, etc. Tudo isso acabou por criar o clima que propiciou a instalação do socialismo. Antes que algum desavisado julgue que foi um movimento puramente popular, de baixo, é preciso lembrar que tanto Lênin quanto Trotsky foram patrocinados por banqueiros internacionais, tais como Jacob Schiff (20 milhões de dólares), Max Warburg (seis milhões de dólares), Alfred Milner, que era um representante da casa Rothschild (cinco milhões de dólares), isso apenas para os primeiros meses da revolução socialista, depois teve muito mais. (Ver o livro Política, Ideologia e Conspirações, de Gary Allen e Larry Abraham, especialmente as páginas 63 a 82.)

Então, com a “queda” do comunismo, as ideias comunistas não morreram...

A ideia geral que se tem é a de que, com o fim da União Soviética (URSS) em 1990, o comunismo teria acabado. Contudo, há fortes razões para concluir o exato contrário, ou seja, que fazia parte da estratégia do movimento revolucionário comunista mundial (a Internacional Comunista) a “queda” da URSS, justamente porque a postura de resistência anterior seria desfeita, e com o reduto ocidental de guarda abaixada, o golpe do marxismo cultural provocaria um nocaute no último bastião da cultura ocidental. Isso seria o ataque definitivo aos Estados Unidos.

Desde os anos 1950, na verdade, centenas de agentes soviéticos estavam infiltrados nos EUA, inclusive no governo norte-americano e posteriormente na CIA. Além disso, por ocasião da Segunda Guerra Mundial, alguns membros da Escola de Frankfurt fugiram para os Estados Unidos buscando abrigo, e assim puderam corroer a cultura americana de dentro das universidades, o que, por sua vez, preparou em parte o terreno para os eventos da década de 1960, do movimento de contracultura, da liberação das drogas, da liberação sexual, da ascensão do feminismo (muito embora o feminismo tenha surgido antes, o movimento cresceu mais fortemente a partir daí), da rebelião contra os valores familiares, os valores morais em vigor, etc.
    
Existem hoje variantes do marxismo, digamos, original. Nenhuma presta?

Não existe uma só variante que preste. Como as bases dos estudos de Karl Marx estão viciadas desde sua origem (vide Marxismo Desmascarado, de Ludwig Von Mises, e também desse autor A Mentalidade Anticapitalista). De índole marxista, ainda existem os trotskistas, que pretendem a missão de restaurar um marxismo mais próximo de Marx, mas esse tentáculo revolucionário tem pouca expressão no mundo, se comparado com o marxismo cultural. No Brasil temos o partido PCO dessa linha; em outros países há outros exemplos. Ao que parece, quanto mais próximo do pensamento marxista, tanto mais truculento, e, por outro lado, quanto mais distante de Marx, tanto mais cultural o método da guerra.

Numa visão superficial, a impressão que se tem é a de que alguns acertos foram alcançados. Por exemplo, alguém poderia alegar que um clima de independência maior ou de igualdade social foi atingido. Mas, quando comparado com as melhores sociedades ocidentais, a igualdade comunista era nivelada por baixo, dirigida pelo estamento burocrático dos sovietes, da nomenclatura, como diz Mises. 

Mas creio que o mais importante seja destacar que pouco importa ao neomarxismo a forma em que se manifeste, desde que haja o conflito cultural em que os pilares do Ocidente sejam destruídos, os mesmos que impedem o “progresso da história” para o advento do paraíso comunista na Terra. Saul Alisky (Regras para Radicais) e Ernesto LaClau, este último invertendo a base econômica (a infraestrutura) para a superestrutura, dizem abertamente que a propaganda revolucionária cria a classe que a representará.

Os críticos do marxismo, ao revisar a base econômica que, segundo Marx, era a base do movimento histórico, pensavam ter destruído o movimento, quando de fato mal tinham arranhado sua estrutura.

Este texto nos ajuda a perceber os resultados da cultura comunista: “O socialismo, o coletivismo e seus agregados políticos e culturais são, no fim das contas, apenas a última consequência de nosso passado; são as últimas convulsões do século 19, e somente neles é alcançado o nadir de um desenvolvimento de séculos na direção errada; são o estado final e sem solução para o qual estamos sendo arrastados, a não ser que façamos alguma coisa” (Wilhelm Ropke, The Social Crisis of Our Time, p. 201).

Na prática, no dia a dia, de que outras formas essas ideias repercutem na sociedade atual?

Podemos sentir a influência das ideias do neomarxismo no ativismo judiciário, nas ONGs envolvidas nas causas dos direitos humanos, na destruição da linguagem com as ideias de Jacques Derrida, do desconstrucionismo; um exemplo disso na literatura é a “novilíngua” do livro 1984, de George Orwell; na destruição da moral por meio de filmes hollywoodianos (vale lembrar que a esmagadora maioria dos produtores de Hollywood é esquerdista, portanto revolucionária). Também na educação brasileira, com as obras de Paulo Freire, enquanto nos EUA e Europa com autores como Allan Bloom, Marjorie Perloff e Peter Brooks. Apenas a título de exemplo, considere esta citação: “Considere o Postmodernism, Sociology and Health (1993) de Nicolas Fox, sociólogo que ministra palestras em escolas de medicina inglesas. O senhor Fox assegura aos seus leitores que termos como ‘paciente’ e ‘doença’ são ‘ficções sociológicas’ que podem ser melhoradas por ‘elementos da teoria feminista e conceitos derrideanos de difference e intertextualidade’” (citado em Keith Windschuttle, The Killing of History: How Litarary Critics and Social Theorists are Murdering Our Past. New York: Free Press, 1997, p. 13, extraído do livro Radicais nas Universidades, de Roger Kimball, p. 48).
    
Fale um pouco mais sobre a relação entre marxismo, feminismo e ideologia de gênero?

Como o movimento marxista não conta mais com o proletariado como classe histórica, literalmente “massa de manobra”, o discurso revolucionário cria a classe “proletária”, por assim dizer. É nessa perspectiva que o feminismo, os afrodescendentes, os gays, as lésbicas, os pobres e até os criminosos são usados como ponta de lança da revolução, pois são oprimidos de uma sociedade “injusta”, daí as leis abusivas, que pretendem salário para as famílias dos presidiários, a proposta recente de décimo terceiro salário para eles e as cotas universitárias, tão problemáticas. As supostas (in)justiças partem do falso conceito de igualdade, que transcende a igualdade jurídica e do juízo final, para entendê-la como igualdade ontológica, psicológica, etc. Quando, se partirmos do real, como fazia Aristóteles, facilmente veremos em nosso círculo mais próximo, a família, por exemplo, que nenhum de nós é igual ao outro. Os gostos, os talentos, a estética de cada um são distintos; também o meio em que cada um existe, mesmo em uma família é frequente que um filho tenha vivido com os pais momentos econômicos que o influenciaram de modo decisivamente diferente do outro, o que faz deles pessoas irremediavelmente únicas. Mas o movimento do marxismo cultural deve ignorar tudo na busca da transformação social, da práxis de Marx como base teórica, que, novamente, se mostra anticientífica, pragmática, pois não existe verdade, o que existe é o discurso que justifica o projeto de tomada de poder.
    
Você defende o patriarcalismo bíblico. O que é isso e por que não se trata de machismo?

Não defendo a postura de superioridade moral, de poder masculino sobre a mulher, isso seria uma espécie de ditadura familiar. Creio, por outro lado, que Deus criou homem e mulher, macho e fêmea semelhantes a Deus, segundo Sua semelhança. Assim, ambos são equivalentes em sua origem, em sua importância diante do Senhor.

No entanto, embora reconheçamos essas similitudes entre os dois sexos, há também distinções no plano funcional. Citemos, por exemplo, o papel de chefia confiada a Adão ao dar nome aos animais, como se Deus estivesse determinando ser ele o responsável por eles. Então, logo após, Deus faz a mulher a partir de sua costela e a apresenta ao homem que, novamente, dá a entender que ele é o responsável por ela; e o homem lhe dá o nome. Depois do pecado de Eva, nada aparentemente ocorreu com ela. Apenas quando o homem comeu do fruto proibido, diz a Escritura Sagrada, perceberam que estavam nus (Gênesis 3:7).

Mas os papéis funcionais masculino e feminino são mais claramente vistos no Novo Testamento. O apóstolo Paulo parte da divindade para a humanidade, em sua comparação funcional (não ontológica) em 1 Coríntios 11:3: “Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo o homem, e o homem a cabeça da mulher; e Deus a cabeça de Cristo.” Assim como Cristo não é inferior ontologicamente ao Pai, mas apenas funcionalmente, assim também no casamento o homem e a mulher, embora iguais ontologicamente, são distintos funcionalmente.

Você não acha que as mulheres devem “se garantir”, para o caso de o homem faltar com suas obrigações? Não seria bom que elas se capacitassem para funções além de ser mãe?

Sim, claro. Creio que, assim como diz a mensageira especial de Deus para a Igreja Adventista do Sétimo Dia, Ellen G. White, os jovens só devem começar o namoro assim que estiverem se sustentando por trabalho. Então, a capacitação para trabalhos profissionais e domésticos é fundamental ao casal, não apenas para o homem. E se respeitados os conselhos de Deus, o casamento será, como diz a Escritura, até que a morte os separe; assim, se eu faltar para minha esposa, ela deve estar preparada para assumir o sustento e o cuidado de nossos filhos e do lar. Espero que nossas jovens busquem ao Senhor e se preparem; dessa maneira serão uma bênção ao mundo, mesmo quando estiverem desamparadas pelo marido. 

Com tantos “ismos” por aí, por que você escolheu o adventismo?

Embora tenha nascido em um lar adventista, de pais e avós maternos da mesma fé, tive um bom fundamento durante minha infância na Escola Sabatina de Vila Ré e de Itaquera, mas, sim, tive contato com várias igrejas por meio de amigos que fiz na escola. Creio que pela providência de Deus nenhuma ideologia me atraiu, senão a música rock e os esportes radicais, como o bicicross. A bênção é que, mesmo nesse período, em meu coração não havia paz; sentia um vazio na alma. Cheguei a ter depressão, mas ouvia os hinos do quarteto norte-americano The King’s Heralds e do quarteto Mensagem, do qual meu pai era segundo-tenor; assim a música sacra foi um veículo da verdade de Deus para mim. Mas minha conversão se deu quando assisti a uma série evangelística da Igreja Adventista chamada Projeto Sol, no ginásio do Ibirapuera, com o pastor Alejandro Bullon como pregador. Deus falou ao meu coração por meio daquelas mensagens cantadas e pregadas, e por fim me decidi pelo batismo. Desde então nunca mais fui vítima de depressão, a paz de Jesus Cristo, Justiça Nossa, pela mensagem da justificação pela fé, encheu meu coração. Uma das minhas maiores alegrias foi ter sido chamado para ser professor da Escola Sabatina, na minha amada igreja de Conjunto José Bonifácio, COHAB II, zona leste de São Paulo, e fico muito feliz quando sou chamado a pregar.

Como foi seu período na universidade? Com que ideologias se deparou? Foi influenciado por elas? Como se libertou delas?

Foi tenso, um verdadeiro choque de cosmovisões. Quanto ao relativismo e ao minimalismo histórico, consegui resistir. Todavia, não demorou a me identificar com a ideologia de Karl Marx e me tornar um militante. Antes mesmo de entrar nesse ambiente, eu já votava nas esquerdas desde 1989, mais por sentir, pelo discurso político revolucionário, que os pobres nunca seriam atendidos com os políticos profissionais no estamento burocrático do governo.

Apenas em 2014, dois anos após concluir minha licenciatura em História, libertei-me daquele “canto da sereia”. O livro que me trouxe a lucidez, revelando a verdadeira face do comunismo sob a máscara das “minorias”, da “igualdade”, e que me informou tudo o que na universidade evitaram, foi O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser um Idiota, do filósofo e analista político Olavo de Carvalho. Nos mais de 15 livros dele que li após a universidade, encontrei muito mais em suas análises culturais, históricas, políticas e filosóficas, além de ótimas dicas de autores e livros, do que a ortodoxia marxista universitária jamais me daria em acesso à alta cultura.

Em geral, quais os principais pontos de discordância entre cristianismo e marxismo cultural? E, especificamente, entre o adventismo e o marxismo cultural?

O cristianismo bíblico crê no dever e na responsabilidades individuais; no marxismo o que existe é a classe, o coletivismo, não há lugar para o indivíduo como tal; tudo o que diverge da classe revolucionária é combatido. A proposta comunista é de estabelecer um paraíso terrestre, uma imanentização da religião, quando no cristianismo esperamos por ser introduzidos na pátria celestial; nossa cidade é de cima. O marxismo tem uma concepção otimista do homem, como se ele fosse essencialmente bom, mas a Bíblia ensina que somos maus por natureza (Efésios 2:3), que fomos concebidos em pecado (Salmo 51:5), que nossas melhores obras são impuras diante de Deus (Isaías 64:6). 

Quanto ao adventismo do sétimo dia, tenho para mim que surgiu por vontade e plano divinos, do cumprimento de uma profecia bíblica, no exato momento em que a cristandade estava seriamente ameaçada pelo cientificismo novecentista, pelo Iluminismo, pelo darwinismo e o comunismo. Assim, Deus nos chamou para fazer frente ao erro com a verdade da Palavra de Deus. Não podemos aceitar as ideias humanas comprovadamente erradas como se fossem inocentes, compatíveis com nossa missão. O dever, a missão, o caráter profético da Igreja Adventista do Sétimo Dia, seu corpo doutrinário firmado a partir da Bíblia, somente, da Sola Scriptura, não nos permitem concessões. Precisamos, pela graça de Deus, manter íntegra nossa identidade; assim passaremos, em breve, de uma igreja militante para triunfante, na glória.

E o que dizer a Teologia da Libertação? Como você vê a tentativa de fusão entre cristianismo e marxismo, como se tentou fazer com essa teologia?

Nikita Serguêievitch Khrushchov, primeiro-ministro da URSS, inventou a Teologia da Libertação na década de 1950, mas apenas a partir de 1968, num congresso internacional, ele apresentou suas ideias, implementadas anos depois. O projeto era seguir a estratégia de Antonio Gramsci, de não combater a religião, mas corrompê-la por dentro, tornando-a uma caixa de ressonância das ideias revolucionárias. O padre Gustavo Gutierrez, em seu livro Religión, Instrumento de Liveración (1973), anos depois, escreveu o primeiro livro sobre o tema; apenas nove anos depois, Leonardo Boff surge no cenário nacional. A Teologia da Libertação tem duas camadas discursivas, uma descritiva e teórica e outra que é um discurso apelativo, unificador da militância, no qual ela se reconhece.

O cardeal Ratzinger, posteriormente, analisou apenas os aspectos descritivos/teológicos da tese, enquanto a camada politizada subjacente passou despercebida. Enquanto os católicos conservadores relaxavam julgando ter sido destruída a heresia, ela estava mais forte do que nunca, espalhada pela América Latina, especialmente no Brasil. A Igreja Católica foi feita caixa de ressonância das ideias revolucionárias, esvaziada de seu conteúdo doutrinário tornara-se politizada, mundanizada.

Diante disso eu me pergunto: Os demais cristãos têm se acautelado quanto ao perigo de perder seus valores distintivos pelos efeitos sutis das ideologias reinantes? A evidência aponta no sentido de uma infiltração em todas as igrejas...

Que livros você indica para alguém que queira se inteirar dessas questões?

Sobre o marxismo cultural indico Radicais nas Universidades, de Roger Kimball. Na mesma linha de análise, mas de forma mais ampla, indico toda a série “Cartas de um terráqueo ao planeta chamado Brasil”, e o livro O Mínimo Que Você Precisa Saber Para não Ser Um Idiota, organizado por Filipe Moura Brasil, com textos do professor Olavo de Carvalho. Do Olavo, também indico o livro Nova Era e a Revolução Cultural – Fritjof Capra e Antonio Gramsci, mais o livro O Jardim das Aflições – de Epicuro à Ressurreição de César: Ensaio Sobre o Materialismo e a Religião Civil – talvez este seja o livro mais bem escrito que existia sobre o espírito revolucionário, a destruição do conhecimento e da alta cultura.

Seguindo a mesma linha de análise cultural, com um refinamento e uma sutileza britânica, sugiro Theodore Dalrymple, em Nossa Cultura... ou o que restou dela. Do Mário Ferreira dos Santos, seu livro Invasão Vertical dos Bárbaros é fantástico em seu acerto crítico e simples em sua linguagem. Outro inglês fundamental para uma pesquisa da matéria é Roger Scruton, nos livros As Vantagens do Pessimismo e Pensadores da Nova Esquerda; neste último temos uma análise filosófica das proposições dos principais teóricos da esquerda, quatorze deles. Eu não poderia deixar de lado um espanhol implacável para o feminismo, igualitarismo e marxismo, o filósofo José Ortega y Gasset, em seu livro Rebelião das Massas

Também sobre o pensamento do próprio Karl Marx, do ponto de vista econômico e cultural, indico a leitura de Marxismo Desmascarado e A Mentalidade Anticapitalista, de Ludwig von Mises. Quanto à origem e desenvolvimento dos escritos de Marx como patrocinado por banqueiros internacionais, da origem e manutenção da Revolução Russa, é obrigatória a leitura do Política, Ideologia e Conspirações, de Gary Allen e Larry Abraham. Valerá como acréscimo a leitura do livro Introdução à Nova Ordem Mundial, de Alexandre Costa.

De todos os que citei até agora, nenhum conhece tanto da relação do marxismo na América Latina quanto Heitor de Paola; seu livro O Eixo do Mal Latino-Americano e a Nova Ordem Mundial é o mais esclarecedor que já li, o mais impactante, rico em fontes históricas. Semelhantemente ao dele, está a Hidra Vermelha, do historiador Carlos Ilich Santos Azambuja, tão preciso quanto Heitor de Paola, mas menos atual, por ter sido concluído na primeira metade da década de 1980; é farto em documentos históricos e exato na análise do comunismo mundial.

terça-feira, fevereiro 27, 2018

As incoerências do evolucionismo teísta

Existem ideias que são defendidas como se fossem bíblicas, mas que, na verdade, acabam atentando contra as próprias bases do cristianismo, criando verdadeiras “quimeras” filosóficas, unindo péssima ciência com péssima teologia, como diz o químico Marcos Eberlin. Entre essas ideias, podemos destacar o evolucionismo teísta, também chamado de “evoteísmo”. Os defensores dessa e de outras ideias afirmam que estão alicerçados na Bíblia e na ciência. Será que é assim mesmo? Nesta entrevista, concedida ao jornalista Michelson Borges, o astrofísico e engenheiro de software Eduardo Lütz esclarece esse assunto.

Quais as diferenças entre evolucionismo materialista, evolucionismo teísta e criacionismo?

Correspondem a três cosmovisões distintas. No evolucionismo materialista, ou talvez mais precisamente, naturalista, acredita-se que a vida teve origem espontânea graças a uma série de fatores que se teriam combinado ao acaso. Ao surgir o primeiro organismo capaz de se reproduzir sistematicamente, entram em ação os dois principais mecanismos darwinianos: a reprodução, que pode gerar cópias com variações (processo em que entra uma boa dose de acaso) e a seleção natural (regida por regularidades, não aleatória em essência), que privilegia algumas variantes em detrimento de outras, de forma que os organismos vão-se tornando mais e mais adaptados ao ambiente ao longo de muitas gerações. Esse processo não tem objetivo e não segue algum plano de aperfeiçoamento, não é unidirecional, mas molda as espécies armazenando, de alguma forma ainda não esclarecida em nível de DNA, informações nos indivíduos de cada espécie.

No evolucionismo teísta, acredita-se que Deus criou os seres vivos modernos por meio da evolução darwiniana. Há quem proponha que Ele formulou as leis físicas de tal maneira a tornar possível a origem espontânea da vida. Há também a hipótese de que Deus teria dado origem à primeira forma de vida. Após o surgimento do primeiro ser vivo, seja por intervenção divina especial ou seja por processos puramente naturais (porém, criados por Deus), a vida evoluiria mais ou menos da forma prevista por Darwin. Outra linha imagina que Deus já criou o primeiro ser vivo com informações genéticas suficientes para iniciar um processo de evolução controlada, não com base apenas em mutações aleatórias podadas por seleção natural. Essa última ideia tenta resolver um dos problemas mais sérios que afetam o evolucionismo naturalista: o de que mutações ao acaso destroem tanta informação que a chance de aparecer algo útil no DNA é tão remota que é muito mais provável todas as formas de vida se extinguirem antes. Isso pode ser comparado a retirar, acrescentar e substituir aleatoriamente letras na Bíblia esperando transformá-la na Enciclopédia Britânica. A probabilidade de surgir qualquer coisa útil antes de se destruir toda a informação útil da Bíblia é insignificante, muitíssimo mais baixa do que as pessoas tendem a imaginar. Por isso há quem proponha que Deus teria criado um mecanismo para provocar mutações de forma organizada, equivalente a alterar palavras em frases de forma a respeitar uma gramática na analogia acima, ao invés de alterar caracteres aleatoriamente.

Entre os evolucionistas teístas, existem aqueles que acreditam na Bíblia como revelação divina, mas entendem os primeiros capítulos de Gênesis como simbolizando apenas verdades espirituais, sem nenhuma pretensão de ser uma narrativa de fatos históricos. Nesse meio, existem pessoas que se consideram criacionistas, pois creem que Deus criou tudo. Apenas não acreditam que a vida na Terra seja recente.

Quanto ao criacionismo, também há variantes. Mesmo entre os que se dizem criacionistas bíblicos há mais de uma corrente. Mas o importante é que existem os que se esforçam para seguir as melhores práticas de exegese e hermenêutica para extrair o máximo possível de informação do texto bíblico, e também é feita a comparação entre previsões bíblicas e científicas com o que se observa na prática.

Quanto ao estudo da Bíblia, observam-se os sentidos originais das palavras e expressões idiomáticas, estuda-se a gramática do texto original para se obter o sentido mais fiel, utiliza-se o contexto imediato e o contexto mais geral para resolver o máximo possível de ambiguidades ou aparentes contradições. Algumas formas de entender um texto levam a contradições em relação ao contexto, o que mostra que, ou a interpretação está errada ou o texto realmente contém uma contradição. Porém, mesmo nos casos de aparente contradição, têm-se encontrado sentidos simples e coerentes das expressões que permitem harmonização do todo.

Quanto ao aspecto da pesquisa científica, há entre os criacionistas os que defendem um conceito de ciência na linha rigorosa de pioneiros como Galileu e outros, ou seja, não como uso do protocolo aristotélico (observação, formulação de hipóteses, testes de hipóteses, etc.), mas como o uso sistemático e coerente de métodos matemáticos eficientes tanto para planejar experimentos quanto para avaliá-los (Estatística é parte indispensável na maioria das situações) e, principalmente, para formular modelos, que devem basear-se em estruturas algébricas. Quando se quer maior confiabilidade e eficiência, usa-se essa metodologia tanto para o estudo da Bíblia quanto do mundo físico.

Quais as maiores incoerências e fragilidades do modelo evolucionista teísta?

Primeiro, ele herda quase todas as fragilidades do evolucionismo naturalista. “Resolve” umas poucas por meio de uma abordagem que chega a lembrar um pouco a do deus das lacunas. Ao estudarmos a Bíblia com um nível de detalhe mais próximo ao científico, observamos que há sinais muito claros que nos permitem distinguir os tipos de textos bíblicos. Existem, por exemplo, profecias, parábolas, poesias, provérbios e narrativas (que incluem genealogias, entre outras coisas).

As história de Abraão, Isaque, Jacó/Israel, José e seus irmãos, o povo de Israel com sua estada no Egito, sua volta para as terras compradas por Abraão e a oposição dos posseiros, tudo isso possui formato claro de narrativa, não de alegorias. A parte inicial dessa história está no livro de Gênesis. Voltando gradativamente aos capítulos anteriores, vemos exatamente a mesma estrutura falando dos ancestrais de Abraão até chegar a Noé, depois voltando mais até chegar a Adão. Se uma parte é histórica, por que a outra não seria? Exegeticamente, não faria sentido considerar os primeiros capítulos de Gênesis como alegóricos se os seguintes, com a mesma estrutura, são literais. Também não faz sentido hermeneuticamente, pois Jesus e os apóstolos (inclusive nas epístolas) referiam-se aos primeiros capítulos de Gênesis como contendo histórias literais. Até mesmo a origem da semana é atribuída à terraformação em seis dias literais, seguida do sétimo dia para contato com Deus, conforme mencionado e reforçado no Sinai.

Em função dessa e de outras razões, os criacionistas bíblicos que enfatizam esse uso de técnicas para a análise de textos bíblicos entendem que os primeiros capítulos de Gênesis são literais, ainda que em linguagem embelezada e acessível, não técnica. Essa mesma análise é incompatível com a alegação dos evolucionistas teístas de que os primeiros capítulos de Gênesis seriam alegóricos.

Há ainda outra questão muito importante que vale a pena pinçar, entre tantas outras. O criacionismo bíblico precisa levar em conta a mensagem principal da Bíblia, que é o plano da salvação. Este ocorre em um contexto no qual Deus criou tudo perfeito, houve rebelião e consequente “desotimização” da vida na Terra, culminando em injustiça e sofrimento, os quais só podem ser tolerados por Deus por algum tempo em função da liberdade de escolha que Ele dá a Suas criaturas. Esse período de tolerância visa a completar um processo no qual se possam avaliar plenamente as consequências do pecado (afastamento do plano de Deus) e haja oportunidade para que os que quiserem sejam salvos para viver eternamente, como era o plano original de Deus.

Porém, se imaginarmos que Deus criou os seres vivos por meio de um longo processo evolutivo, com morte e crueldade desde o início, o próprio plano da salvação perde o sentido. Salvar a humanidade de quê? De uma vida natural com sofrimento e morte que Deus mesmo planejou? Salvar dos próprios planos dEle? Salvar do processo evolutivo, que depende da morte de uns para o nascimento de outros melhores? E a partir de que ponto vale o plano da salvação? Quem foi o primeiro ser vivo a participar dele? Dinossauros serão salvos? Australopithecus? E neandertais? Sapiens, somente? Onde está o limite? Essas e outras questões vão surgindo e minando toda a base do cristianismo, quando tentamos misturar evolução darwiniana com Bíblia. Não vejo como coerentes as tentativas de conciliar essas doutrinas (evolucionismo e salvacionismo bíblico).

Sempre existem versões mais coerentes e menos coerentes de cada corrente de pensamento, graças à forma como as pessoas moldam suas crenças quase sempre antes de ligar todos os pontos relevantes. No caso do criacionismo bíblico coerente, admite-se que exista “evolução” no sentido de sistemas sofrendo alterações ao longo do tempo, inclusive entre seres vivos. Mas não se acredita que todas as espécies atuais vieram de um ancestral comum por um processo evolutivo que teria durado centenas de milhões de anos. O evolucionismo teísta já aceita essa hipótese às custas de introduzir inconsistências graves em suas crenças sobre ensinos bíblicos fundamentais (leia mais sobre isso aqui).

Entidades como a Associação Brasileira Cristãos na Ciência (ABC2), famosos apologetas cristãos como William Lane Craig e mesmo alguns defensores da Teoria do Design Inteligente advogam a evolução teísta. Por mais que eles deem grande contribuição em certas áreas, defender o evoteísmo é um “tiro no pé”, não?

Exatamente. Como já mencionei, se pararmos para analisar cuidadosamente as consequências lógicas do evolucionismo teísta, cedo ou tarde precisaremos descartar ou o evolucionismo ou a Bíblia. Na prática, a Bíblia tem sido descartada, pois selecionar nela tudo aquilo com que não concordamos e considerar esses itens como alegóricos elimina qualquer possibilidade de que a Bíblia possa nos ensinar coisas úteis nas quais não acreditamos. Ou seja, ela fica totalmente descaracterizada como fonte de informação. É o mesmo tipo de desonestidade intelectual de Dawkins, ao afirmar que vida é o que tem aparência de planejamento, descartando, assim, a priori, já por definição, toda e qualquer evidência de planejamento. Assim fica muito fácil (e desonesto) dizer que essas evidências não existem.

O livro Theistic Evolution: A Scientific, Philosophical, and Theological Critique, editado por J. P. Moreland, Stephen Meyer (também defensor do Design Inteligente) e outros autores importantes, trata justamente desse cavalo de Troia chamado “evolucionismo teísta” e se constitui, hoje, em uma das mais bem fundamentadas e extensas críticas a esse híbrido evoteísta. Você concorda que esse modelo filosófico é um cavalo de Troia que deve ser combatido?

Concordo. É uma tentativa de união de duas coisas incompatíveis. Isso só pode ser feito pela descaracterização de uma das componentes. Conforme já mencionei, a componente que tem sido descaracterizada é a Bíblia. Além disso, não se trata de tentar harmonizar Bíblia e Ciência por dois motivos. Primeiro, porque desautorizar afirmações bíblicas não pode fazer parte da harmonização de qualquer coisa com a Bíblia. Segundo, porque evolução darwiniana não é Ciência. É uma estrutura conceitual específica o suficiente para ser filosoficamente atraente e vaga o suficiente para que possamos encaixar nela virtualmente qualquer coisa e depois dizer que tudo é evidência de que a ideia estava certa. Não há uma formalização matemática fundamental e geral desse modelo conceitual, apenas pequenos modelos aqui e ali para tratar de temas periféricos. Ciência é uma caixa de ferramentas matemáticas das quais Darwin não fez uso para montar seu esquema filosófico.

Seria muito bom se evolucionistas investissem ainda mais do que já estão começando a investir na formalização da doutrina evolucionista. Quando se transforma algo assim em uma teoria científica, fica muito mais fácil de analisar as forças e fraquezas, bem como avaliar objetivamente as evidências, não da forma como tem sido feito. Do jeito que está, não se trata de uma teoria científica, mas de um framework conceitual não formal (não científico, não explicitamente matemático). Há frameworks científicos, como a Mecânica Quântica. Seria interessante transformar o conceito de evolução biológica em um framework científico (matemático) ou em uma teoria científica específica. Todos ganhariam com isso.

O mesmo seria desejável também do lado criacionista bíblico, evolucionista teísta, etc. A tendência é que se combatam argumentos qualitativos com qualitativos, competindo-se para ver quem comete mais erros técnicos graves durante a argumentação. E cada um também gosta de dizer que defende a ciência, mas geralmente define essa palavra da mesma forma inconsistente que tem aparecido na literatura de Filosofia da Ciência. O resultado é que cada um chama de ciência o que quiser e continua argumentando apenas na esfera qualitativa, sem modelos matemáticos reais que tenham sido provados estar em harmonia com o mundo físico de tal maneira que os axiomas de suas estruturas algébricas sejam boas aproximações de características específicas do mundo físico.

Sem algo assim, o debate tende a prosseguir para sempre e cada um sempre achará que está coberto de razão e que os oponentes são desonestos ou estúpidos (embora essa possibilidade possa se concretizar de vez em quando).

Resumindo, a falta de objetividade e formalização matemática que vemos por todos os lados é um ambiente fértil para que ideias inconsistentes como a proposta evolucionista teísta sejam consideradas como coerentes e possam ser amplamente aceitas. Nesse nível, temos opinião contra opinião e cada um prefere a sua.