domingo, dezembro 18, 2005

A última partida

Craque de futebol revela como o cristianismo mudou sua vida

Carlos Alberto Batista da Silva, ou simplesmente Carlos Alberto, como é conhecido no meio esportivo, nasceu em Campo Grande, MS, onde iniciou sua carreira esportiva no time Operário de Campo Grande, aos 14 anos de idade. De lá, foi para o São Paulo Futebol Clube, com 18 anos, em 1992, onde chegou a ser considerado o “novo Raí” (famoso jogador brasileiro). “Acredito que quando Raí chegou aqui, jogava um futebol parecido com o do Carlinhos”, disse o ex-técnico da Seleção Brasileira, Telê Santana, a um jornal. Carlos Alberto jogou também no Fluminense, no Santos, no XV de Piracicaba, no Paraná Clube, no Francana, no Bragantino, entre outros. Conquistou, em 1992, o 1º Campeonato Mundial, pelo São Paulo, além de vários outros títulos.

É casado com Mônica Matos Batista e tem duas filhas: Gabriela e Raquel.

Nesta entrevista, concedida a Michelson Borges, conta por que abandonou o futebol profissional no auge de sua carreira.

Qual a lição mais importante do futebol para você?

A convivência em grupo, com pessoas diferentes, gostos e caracteres diversos. Com isso aprende-se a respeitar as pessoas e a viver em união, apesar das diferenças. Essa lição tenho procurado praticar em minha vida.

Qual a maior alegria que você teve no futebol profissional?

A maior alegria foi ser contratado, com apenas 18 anos, para jogar no São Paulo. Saí, de repente, da várzea para um grande clube. Quando menos esperava, recebi a notícia. Em quatro horas, já estava em São Paulo, com uma vida totalmente diferente. Conviver com aqueles a quem considerava meus ídolos era realmente um sonho.

Como surgiu seu interesse por religião?

Cresci em um lar religioso. Minha avó e minha mãe me ensinaram a ter contato com Deus. Em 1993, depois de procurar várias igrejas, tornei-me pentecostal. Isso porque sentia um vazio enorme no coração. Mesmo a fama que o esporte trazia e a realização profissional não me satisfaziam totalmente. É interessante que há pessoas que pensam que dinheiro e fama são suficientes para deixar alguém feliz. Conheço muitos atletas que, mesmo que não admitam, sentem-se frustrados e insatisfeitos com a vida.

Depois de um tempo, conheci um ex-jogador chamado Gleidson, amigo dos atletas do São Paulo. Ele organizava festinhas para os jogadores solteiros, e sempre que me convidava, eu não aceitava. Certa ocasião o Gleidson resolveu inaugurar uma casa noturna e convidou alguns jogadores para um dia de autógrafos, a fim de divulgar o estabelecimento. Aceitei o convite com uma condição: que me deixasse falar de Jesus para ele. Dito e feito. Fomos para o apartamento dele e ele me fez uma série de perguntas para as quais eu não tinha resposta. Disse-lhe apenas que Deus o amava e que tinha um plano para a vida dele. Posteriormente, soube que aquelas palavras haviam impressionado meu amigo.

Cinco meses se passaram e eu já estava jogando no Fluminense, no Rio de Janeiro. Certo dia recebi uma ligação do Gleidson, convidando-me para seu batismo na Igreja Adventista do Sétimo Dia. Surpreso, aceitei o convite. E no dia 13 de setembro de 1993 entrei pela primeira vez em uma igreja adventista. Gostei muito da cerimônia e fui convidado para participar de uma vigília, onde fiz várias perguntas sobre a Bíblia, recebendo respostas que me satisfizeram. Lembrei-me do vazio que sentia e das dúvidas que ainda tinha, e percebi que as orações que havia feito anos atrás começavam a ser respondidas.

Estudei a Bíblia juntamente com o Gleidson, algumas vezes durante todo o dia, decidido a colocar em prática tudo o que aprendia. Na época, inclusive, tornei-me o jogador com melhor preparo físico em minha equipe, o que atribuí ao fato de colocar em prática as orientações bíblicas quanto à alimentação e estilo de vida saudáveis. O que me impressionava era o fato de que o Gleidson conhecia bem mais a Bíblia do que eu, embora tivesse se convertido havia bem menos tempo.

Por que você resolveu abandonar o futebol profissional?

Nossos estudos bíblicos continuaram até que descobri a doutrina do sábado. Entendi que o sétimo dia deve ser reservado para atividades religiosas e percebi a incompatibilidade com minha profissão. Muitos campeonatos e mesmo treinos são feitos no sábado.

Há outras práticas que começaram a me incomodar. A competitividade com extremo desejo de vencer e derrotar o adversário, parecia-me estranha agora. E não mais podia concordar com as orações para vencer. Afinal, Deus não torce para ninguém, nem escolhe um ou outro time para beneficiar. Outra coisa que me incomodava era o fato de muitos assumirem uma aparência de religiosidade dentro do campo, transmitindo mensagens religiosas em camisetas, etc., tudo para passar a imagem do “bom garoto”. Só que agridem os colegas e, às vezes, nem sequer freqüentam uma igreja ou vivem o verdadeiro cristianismo.

Além disso, o ambiente nos estádios também não é recomendável para aqueles que querem manter sua comunhão com Deus. Na exaltação da torcida, as pessoas deixam a adrenalina subir à cabeça, irritam-se, dizem e fazem coisas que não gostariam.
Por isso, hoje só jogo futebol como brincadeira, para manter a forma física, sem o objetivo de vencer e derrotar o adversário. O futebol também pode ser usado como uma maneira de fazer amigos e atraí-los a Cristo. É esse o futebol que jogo hoje, no time dos “santos”.

Como sua família encarou a decisão?

Na época foi difícil, pois, para eles, eu estava fazendo uma loucura. Eu os compreendo, pois não tinha outra profissão, e estava terminando o Ensino Médio. Com duas filhas e alguns compromissos, largando o futebol, o que eu faria? Mesmo um pouco apreensivo, percebi que Deus tinha um plano para mim e que estaria comigo nessa decisão. Sei que, mesmo não aprovando minha decisão, havia os que pensavam: “Por que será que o Carlos fez isso? O que pode ser mais importante que o futebol para ele?” E isso os impressionou. Eu gosto de futebol, mas hoje Jesus é mais importante para mim.

Você chegou a fazer outros planos antes de seu batismo. Quais foram?

Isso foi interessante. Pensei em continuar jogando para alcançar maior fama e influência, adiando com isso meu batismo e a decisão de abandonar o esporte profissional. Quando estivesse no auge, pensei, abandonaria tudo e diria que o fiz por causa de Jesus. Na época não percebi o perigo desse plano, e Deus me disse “não”, direcionando as coisas de outra forma.

Como foi o “não” de Deus?

Eu orei da seguinte forma: “Senhor, se um dia minha profissão me fizer separar de Ti e perder a salvação, tira tudo de mim.” Depois disso, ocorreram algumas contusões e decepções financeiras que atrapalharam minha carreira. Houve até técnicos que me dispensaram, sem motivo, apenas para beneficiar jogadores amigos. A cada “não” de Deus eu chorava muito, e minha família chorava junto. Mas eu lembrava de minha oração e sentia, no fundo do coração, que era a mão de Deus.

Cheguei a um ponto muito perigoso. Ia à igreja e continuava transgredindo o sábado. Aos poucos percebi que minha consciência estava ficando endurecida e a voz do Espírito Santo cada vez mais fraca. Graças a Deus, o Gleidson insistia em que eu continuasse a freqüentar os cultos, apesar de tudo. Tenho certeza de que as orações do Gleidson e dos irmãos deram-me forças para não fazer uma besteira, pois a angústia nessa época estava se tornando insuportável. Finalmente, conversei com minha esposa e decidimos deixar tudo para servir a Cristo. Foi mais ou menos como fizeram os israelitas: primeiro tiveram que pisar nas águas do Mar Vermelho, e só então elas se abriram. As águas também se abriram para mim. Estamos muito felizes e, de lá para cá, nada nos tem faltado.

Quais seus planos para o futuro?

Estou terminando meus estudos em Teologia, no Centro Universitário Adventista, no interior de São Paulo. Alguns anos atrás, um pastor amigo me disse: “Você será um pastor.” Isso me tocou e, de fato, sinto cada vez mais a vocação para o ministério. Quero preparar-me para levar pessoas a Cristo.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Questão de estilo

O cardiologista Gary E. Fraser, 58 anos, é neozelandês e autor dos livros Diet, Life Expectancy, and Chronic Disease e Preventive Cardiology, publicados pela Oxford University Press. PhD em Epidemiologia pela Universidade de Auckland, estudou também na Universidade de Cambridge, com uma bolsa concedida pelo Instituto Nacional de Saúde. Diversos institutos e associações norte-americanos têm apoiado suas pesquisas, resultando em numerosas publicações a respeito do estilo de vida. Atualmente trabalha no Departamento de Epidemiologia e Bioestatística do Centro de Pesquisas da Saúde da Escola Pública da Universidade de Loma Linda. Casado com Sharon, tem dois filhos, Grant e Aline.

Em visita ao Brasil, em 2004, para participar do 5º Congresso Internacional de Nutrição, Longevidade e Qualidade de Vida, em São Paulo, concedeu esta entrevista a Michelson Borges:

Eu seu livro Diet, Life Expectancy, and Chronic Disease, o senhor analisa o resultado de estudos sobre doenças cardíacas e câncer. Quais são as evidências científicas de que uma dieta vegetariana ajuda a prevenir essas doenças e aumenta a expectativa de vida?

Os vegetarianos têm apenas 50 por cento do risco de doenças do coração. Se você considerar adventistas vegetarianos norte-americanos mais novos, de 40 ou 50 anos, o risco de ataques cardíacos, comparado com não-vegetarianos, é de apenas um terço. A vantagem dos vegetarianos mais idosos é um pouco menor. Mas, em geral, está bastante claro que doenças precoces do coração podem ser prevenidas com uma dieta vegetariana. Alguns acham que, no caso de câncer, há uma redução de cerca de 30 por cento, dependendo do tipo de câncer. Os vegetarianos têm uma vantagem de mais de nove anos na expectativa de vida. Se você acrescentar outros aspectos do estilo de vida, pode tornar essa vantagem bem maior. Enquanto 19,5 por cento dos norte-americanos (homens) sobrevivem à idade de 85 anos, 48,6 por cento dos adventistas vegetarianos conseguem a façanha.

Estudos também revelaram que adventistas que comem castanhas quatro ou cinco vezes por semana têm apenas a metade do risco de sofrer doenças cardíacas. De igual modo, percebeu-se que os adventistas que comem mais frutas têm um risco menor de sofrer vários tipos de câncer, inclusive de pulmão. Os que comem carne correm um risco maior de ter câncer de cólon, útero, ovário e próstata. Já os que consomem leite de soja são menos afetados pelo câncer de próstata. Isso, somado ao fato de os adventistas não fumarem, tornou-os um grupo interessante para pesquisar. O governo americano tem patrocinado os estudos.

Costuma-se dizer que uma dieta vegetariana ocasiona privação de vitamina B12 e, às vezes, de ferro. Isso é fato? Se sim, como minorar o problema?

Isso depende de como definimos vegetarianismo. No caso dos vegans, pessoas que não comem nenhum tipo de produto animal, a vitamina B12 é um problema em potencial. Até onde sabemos, os vegans deveriam usar um suplemento. A vitamina B12 é formada apenas por bactérias. Você a consegue através da carne porque o gado come capim sujo. Alguns especulam que, se não lavássemos as batatas tão vigorosamente antes de cozinhá-las, poderíamos conseguir um bom resultado. Porém, a evidência não é muito clara. À medida que as pessoas envelhecem, elas tendem a absorver menos vitamina B12. Então, é aconselhável usar um suplemento. Quanto ao ferro, a maioria dos estudos mostra que ele não é um problema para os vegetarianos, exceto talvez em uma ou duas situações especiais – uma criança em crescimento ou uma gestante.

Qual é o estilo de vida ideal para o ser humano?

O estilo de vida inclui muita coisa. Se você está falando de dieta e se fizer um julgamento baseado na saúde e bem-estar, a dieta adventista não tem concorrente. Não-adventistas talvez escolham a dieta mediterrânea. Porém, com exceção da carne, a dieta mediterrânea e a adventista são bem parecidas, enfatizando vegetais, frutas e castanhas. Outros aspectos do estilo de vida adventista, conhecidos há tanto tempo, incluem ar puro, luz solar, uso de água, exercício regular e moderado, temperança, repouso e confiança em Deus. Os benefícios desses aspectos têm sido comprovados pela ciência. A comunidade médica tem se interessado especialmente pela questão da vitamina D, que depende da luz solar. Naturalmente, deve-se tomar cuidado com o excesso de sol, para não ter problemas de pele.

Seu livro foi publicado pela prestigiada Universidade de Oxford. Qual a repercussão de suas pesquisas entre os acadêmicos e pesquisadores não-adventistas?

Meu livro é a síntese de cerca de 300 artigos sobre o estilo de vida adventista. A acumulação desse material causou um impacto significativo na comunidade da saúde. Os estudos sobre os adventistas são bem conhecidos pelos pesquisadores, muito citados no meio acadêmico e valorizados pelos médicos.

Ellen White diz que chegará um momento em que teremos que abandonar o regime cárneo. A doença da vaca louca e a gripe do frango, entre outras, não seriam uma indicação de que chegou esse tempo?

Acho que abandonar a carne é uma boa coisa que deveria ter sido feita há muito tempo. Uma questão diferente é se chegou também o tempo de abandonar os ovos. Mas isso não está tão claro.

Qual é a relação entre estilo de vida e a mensagem dos três anjos de Apocalipse 14?

É uma boa pergunta. Acho que ninguém me fez essa pergunta formulada assim antes. Podemos enfocar o assunto de várias maneiras. É possível que os adventistas vivam melhor, em parte, por causa de sua espiritualidade. Você pode assumir que a espiritualidade e o apoio social produzam uma mudança no estilo de vida, que produz um efeito na saúde. Talvez o estilo de vida nos ajude a pensar com mais clareza. Os alimentos contêm milhares de químicos e fitoquímicos, que exercem influência em nossa vida.

Você pode postular as duas coisas: que espiritualidade afeta a saúde física e que a saúde física afeta a espiritualidade. Há mais evidência no primeiro caso.

Se a dieta vegetariana é a ideal para os cristãos, por que tanta gente não a leva a sério?

Você quer dizer cristãos adventistas? Bem, isso é muito pessoal. Depende de como você recebeu esses valores quando era criança, depende do grupo social, do contexto cultural, da personalidade. Tentar ajudar as pessoas a mudar seu estilo de vida só porque isso seria mais saudável nem sempre funciona. Muita gente sabe, mas não muda. É o caso do cigarro. A pessoa conhece os problemas, às vezes até tem um câncer, mas não o abandona. A conscientização e a mudança de comportamento levam tempo. Além disso, é preciso ter acesso às alternativas. Em certos países, as companhias adventistas de alimentos são fortes. Em outros, não.

O que as igrejas poderiam fazer para promover o estilo de vida saudável apresentado no Espírito de Profecia?

Não conheço a realidade do Brasil. Mas nos Estados Unidos há mais de 40 Associações. Que eu saiba, apenas uma tem um departamental de Saúde efetivo. Várias Associações têm pessoas com esse título, mas elas combinam a tarefa com outras atividades. Acho que o tema da saúde, como parte da nossa herança, deveria fazer parte da disciplina ou formação espiritual da igreja, como a oração e o estudo da Bíblia. Não pode ficar apenas no nível da aceitação teórica e da conversa. É preciso desenvolver uma boa teologia da saúde, com base no conhecimento acumulado, e promovê-la. Isso deve começar de cima. Se os administradores e teólogos não mostrarem interesse e derem exemplo, fica mais difícil.

O que a mensagem de saúde adventista tem feito em sua vida?

Ela me mudou completamente em termos de vida profissional e em outros aspectos. Nasci numa família adventista vegetariana. Penso que sou mais saudável por isso. Não posso provar que, se eu não fosse vegetariano eu teria morrido de câncer de cólon cinco anos atrás, mas acredito em minhas pesquisas e penso que as evidências são poderosas. Porém, não devemos ser ultra-rígidos. Não há evidência de que comer carne uma vez ou outra, ou usar um pouquinho no condimento, represente perigo para a saúde. Temos de ter equilíbrio e bom senso.

Resuma, então, o que seria uma vida equilibrada.

Dieta vegetariana, sem extremismo, com um consumo moderado de ovos e leite. Uso de alimentos naturais e grãos integrais, evitando comida gordurosa. Além do cuidado com a dieta, praticar regularmente exercícios (até para controlar o peso), respiração de ar puro, exposição inteligente à luz solar, repouso adequado e confiança no poder divino. As evidências científicas estão mostrando cada vez mais que isso funciona. Não é apenas um elemento que aumenta a expectativa de vida, mas um conjunto de fatores.

domingo, dezembro 11, 2005

Compartilhando a fé com os judeus

Professor da Universidade Andrews relata sua experiência de vida e fala sobre o relacionamento dos cristãos com os judeus


Jacques Doukhan nasceu na Argélia (norte da África), em uma família judia. Freqüentou a Sinagoga e estudou hebraico. Fez todos os estudos judaicos da Bíblia e do Talmude. Quando aceitou o Messias, estudou Filosofia na França, por dois anos, desistindo, depois, para estudar Teologia. Obteve doutorado em literatura hebraica, pela Universidade de Estrasburgo, e fez pós-doutorado na Universidade Hebraica de Jerusalém. Trabalhou como pastor e foi diretor, por quatro anos, do seminário adventista das Ilhas Maurício.

Hoje é diretor do Instituto de Estudos Judaico-Cristãos do Seminário Teológico Adventista da Universidade Andrews, em Berrien Springs, Michigan, e tem realizado palestras em muitas cidades da França, Suíça, Canadá e, mais recentemente, Austrália. Casado com a doutora em música Liliane, tem uma filha formada em Filosofia.

Nesta entrevista, concedida a Michelson Borges, o Dr. Doukhan conta um pouco de sua experiência e fala sobre o relacionamento dos cristãos com os judeus.

Embora ele traga na carne as tensões judaico-cristãs, considera-se “um judeu que sabe ser cristão e um cristão que sabe ser judeu”.

Como o senhor aceitou a Jesus como o Messias?

O que mais me convenceu acerca do Messias foi o capítulo nove de Daniel. Foi o primeiro estudo bíblico que fiz. Houve outras experiências particulares, inclusive uma bastante violenta que quase me “empurrou” ao Messias, aos 18 anos. Há pessoas que necessitam de um empurrão para poder responder; para outros, basta um murmúrio.

No que a guerra de libertação da Argélia influenciou seus planos?

Fui preso e tive muitos problemas em relação ao sábado e ao uso de armas. Havia um capitão, assassino, anti-semita e que bebia muito, que muitas vezes me chamava de judeu imundo. Ele me fazia ir até ele e me dava ordens nas sextas-feiras à noite, tentando me obrigar a trabalhar. Cada vez que eu recusava, era torturado.

Cinco meses depois de tanto apanhar, eu disse a Deus que não suportaria mais. No sábado pela manhã, aquele capitão mandou que eu pegasse minhas coisas e que o seguisse. Subimos num caminhão cheio de legionários. Achava que ia morrer, pois várias vezes o militar encostou a arma em minha cabeça dizendo que poderia me matar. Naquele momento, pensei: “É, Senhor, eu pedi para que Tu resolvesses meus problemas em relação ao sábado, e agora vejo que eles serão resolvidos... definitivamente.”

Algum tempo depois, o caminhão parou e o capitão mandou que eu descesse. Tudo parecia um sonho. Eu tremia o tempo todo. O veículo se afastou e eu percebi que estava só, num outro campo militar. Fiquei ali parado por alguns instantes, até que outro capitão se aproximou: “Você é o Doukhan?” Eu disse que sim e ele respondeu: “Fique tranqüilo que aqui você não terá problemas.”

Fiquei 15 dias naquele local onde me davam o sábado livre. Logo depois, transferiram-me para o Saara, onde vivi como um “rei”: era responsável por um hospital e meu chefe era médico. Além disso, tinha um quarto com geladeira só para mim e os sábados livres. Naquela ocasião, resolvi desistir de Filosofia e estudar Teologia.

Qual a melhor maneira de se provar que Jesus foi e é o Messias?

Não é através de argumentos intelectuais. Os milagres, nesse caso, também não provam nada, porque há vários operadores de “milagres” por aí. A prova mais convincente de que Jesus é o Messias, é o caráter, a vida e a influência daquele que crê. Não apenas o testemunho falado, mas o testemunho de uma vida transformada.

Outra forte evidência é a obra de Cristo. Jesus é o único Messias judaico que foi muito além do Seu tempo e espaço. Houve muitos “messias” na história de Israel, mas esses acabaram tendo uma influência limitada a poucas pessoas e a uma pequena área geográfica. Nunca a crença nesses messias foi além do contexto de Israel, e jamais durou mais do que uma geração.

Jesus, na verdade, foi o único que fez com que o Deus de Israel fosse conhecido no mundo inteiro.

Como os judeus vêem a Jesus?

Se considerarmos a tradição judaica ortodoxa e clássica, perceberemos que a descrição do Messias que existe nos textos clássicos como o Talmude, o Midrash e outros, apresenta-nos um retrato do Messias que é muito próximo ao Messias apresentado no Novo Testamento. Por exemplo, a idéia do Messias que sofre e que tem uma origem sobrenatural é encontrada tanto no Talmude quanto no Midrash.

No entanto, considera-se que o Messias vem trazer a paz. Por isso, para o judeu, Jesus não era o Messias porque não trouxe a paz ao mundo.

Por isso essa resistência quanto ao Messias Jesus Cristo?

É claro que isso não é razão para se rejeitar a Jesus, mas é um dos argumentos usados. O judeu pensa no texto de Isaías, por exemplo, que diz que o Messias vai trazer a paz, de tal modo que o leão e o cordeiro vão comer juntos e conclui que essa paz nunca existiu.

De certa forma, eles têm razão: Jesus não trouxe a paz. Além disso, para eles o Messias deve vir no final dos tempos. Mas, por outro lado, se o Messias não tivesse jamais vindo à Terra e viesse somente no final dos tempos, Ele não seria reconhecido pelos judeus nem por ninguém. Por isso, Ele precisava vir antes. Graças a Jesus, agora o mundo inteiro conhece Sua mensagem, de tal modo que a esperança de Israel se tornou uma esperança universal.

Portanto, era necessário que o Messias viesse antes, para que a paz de que os textos bíblicos falam pudesse ser universal. É necessário que todos saibam sobre a vinda do Messias, não somente um pequeno grupo limitado à Palestina. Assim, o Messias pode cumprir Sua vocação de Salvador e Redentor do mundo.

Por que a barreira entre cristãos e judeus ainda existe hoje?

Alguém disse que foi porque a igreja cristã rejeitou suas raízes judaicas (como o sábado, por exemplo), o que acabou levando ao Holocausto. Infelizmente, o nome de Jesus ainda tem sido associado, na mente do judeu, com massacre, discriminação e rejeição.

Hoje, depois do Holocausto e de tantas perseguições aos judeus, qualquer tentativa de convertê-los gera fortes reações. Os cristãos que desejam partilhar com os judeus a mensagem de Jesus, devem primeiro se perguntar sobre os seus reais motivos. Por que desejam converter os judeus? Querem, com isso, eliminar sua identidade? Os cristãos devem partilhar sua esperança com os judeus sem, contudo, ameaçar sua identidade judaica.

Por isso, creio que a conversão dos judeus depende da conversão dos cristãos. É isso que nós devemos fazer: converter-nos como cristãos, para podermos falar melhor com eles, e eles poderem nos escutar melhor; assim, o milagre vai acontecer. Às vezes vejo cumprir-se este milagre. De vez em quando, aqui e acolá, há pequenas faiscas, mas ainda não é o fogo. As faíscas estão aí para nos dar a idéia do fogo.

Como você vê o Estado de Israel?

É algo interessante. O judeu viveu muito tempo numa situação de etnia minoritária, oprimida e menosprezada. Por isso, desenvolveu uma atitude de desconfiança para com os não-judeus que o cercavam. Já em Israel, ele não se sente mais ameaçado pelo cristianismo, pois não tem mais cristãos em sua volta. Logo, não está mais em atitude de reação contra o cristianismo e acabou perdendo o complexo de anti-semitismo. Agora, o judeu pode abrir o Novo Testamento sem problema algum, colocando-se diante de algo que ele nunca imaginara estar tão próximo.

É assim que Israel está contribuindo na descoberta de Jesus, hoje em dia. Do ponto de vista cristão, podemos dizer que o Estado de Israel é muito bom; é uma bênção, até. Se podemos ver que essa redescoberta de Jesus pelos judeus é algo desejado e abençoado por Deus, podemos dizer também que o Estado de Israel é algo desejado e abençoado por Deus. O Estado de Israel não é o cumprimento das promessas divinas; no entanto, ele torna possível o cumprimento dessas promessas.

Qual o papel dos judeus na escatologia e nos escritos de Ellen White?

Antes de tudo, quando falamos de escatologia, falamos do futuro, de algo ainda desconhecido. Sempre desconfiamos daqueles pretensos profetas que já sabem de tudo exatamente como vai acontecer.

Na verdade, temos indicações na História que nos mostram o que poderá ocorrer no futuro. No entanto, para aquele que tem fé nas Escrituras, nas promessas proféticas e também nos testemunhos da Sra. White, o futuro é seguramente conhecido.

As Escrituras e os escritos da Sra. White dizem claramente que haverá muitos judeus, no final dos tempos, que vão descobrir a mensagem do messianismo de Jesus. E quando analisamos o que se passa em Israel atualmente, podemos ver que, de fato, o povo judeu está mais aberto para Jesus hoje do que no passado.

Então o senhor crê que o cenário para a aceitação do Messias por parte de muitos judeus já está montado?

Eu creio que ele está sendo preparado. Só para se ter uma idéia, houve mais escritos sobre Jesus em Israel nesses últimos 20/30 anos do que nos 18 séculos precedentes. Tudo isso são indicações interessantes. Agora, como esse reconhecimento do Messias vai acontecer, como vai se manifestar, isso eu não sei. Mas o fato de essa abertura estar acontecendo em Israel é algo extraordinário, fazendo-nos pensar que essa profecia realmente está correta.