quinta-feira, agosto 17, 2017

Epigenética, saúde, evolução e a Bíblia

Flavio Ahmed Soliz nasceu na Bolívia, em 1954, originário de uma família católica. A mãe faleceu quando ele era pequeno, acometida de cisticercose. Expulso da escola católica, foi matriculado pela irmã em uma escola adventista, o que representou uma guinada na vida dele. Na universidade, estudou dois anos de Física, mas uma missionária lhe disse que ele tinha mais que ver com Medicina e deveria mudar de curso. Ele aceitou o conselho e se formou pela Faculdade de Medicina de Montemorelos, no México. Lecionou bioquímica por quatro anos e foi trabalhar no setor de pediatria da Universidade de Colúmbia, em Nova York. Trabalhou também no setor de neonatologia da Universidade de Miami, como chefe de neonatologia do Miami Children Hospital, e foi professor de Pediatria na Universidade Internacional da Flórida. Pertence à Sociedade de Pesquisa Pediátrica dos Estados Unidos e é fundador da Sociedade Ibero-Americana de Neonatologia e do Bebê Sem Fronteiras, instituição cujo objetivo é reduzir a mortalidade infantil em regiões sem recursos. Casado com a pediatra Elza Vasconcellos, tem quatro filhos. Seus hobbies são nadar, trabalhar com carpintaria e ficar com os filhos. Confira a íntegra da entrevista concedida por ele ao jornalista Michelson Borges e que foi publicada originalmente na Revista Adventista.

Dr. Amed, como o meio ambiente muda o DNA sem causar mutações?

O DNA é uma espécie de computador; é como ter uma enciclopédia em cada célula. Temos seis bilhões de nucleotídeos no DNA, mas precisamos somente de 2% deles. Então, no DNA há lugares em que um estímulo pode “dizer”: você vai fazer parte dos olhos, e outro estímulo “diz”: você vai fazer parte do nariz.

Isso é o que se chama de “expressão”?

Sim. Por exemplo, se tirarmos uma célula da pele, ela será de pele; se tirarmos uma célula do olho, será do olho; e assim por diante. As células são diferentes em sua forma e função. Mas, se analisamos o DNA, ele é sempre o mesmo. O que acontece é que certas partes do DNA “dizem” o que vai ser coração, pele, osso, etc. Isso acontece porque há microambientes que controlam ou interferem no processo. Ambientes podem ser nutrição, químicos, estresse, e podem acionar interruptores para a saúde ou para a doença.

Como essas alterações se transferem para as gerações seguintes?

É interessante que a Bíblia mencionou isso há três mil anos. O terceiro mandamento diz: “Não terás outros deuses diante de mim”, e depois adverte: “Eu visito a maldade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração.” Por muito tempo não sabíamos como explicar isso de maneira científica. Por exemplo, uma mulher submetida a forte estresse ou que seja fumante ocasionará danos à sua saúde. Essa é a primeira geração. Mas, se ela estiver esperando um bebê, os produtos químicos do cigarro também trarão consequências sobre o feto. E se já houver células germinativas nos testículos ou nos ovários, a nicotina ou qualquer outro tóxico afeta a mãe, a filha e o bebê, ou seja, três gerações.

A obesidade também pode estar relacionada com epigenética?

Nos Estados Unidos, estima-se que mais de 60% ou são obesos ou têm sobrepeso. E neste momento um terço da população do mundo tem sobrepeso ou é obesa. Há evidências de que, quando o pai ou a mãe ou os dois são obesos ou têm sobrepeso, vão passar esse risco aos filhos. Foi demonstrado que seus marcadores podem ser encontrados tanto nos óvulos quanto nos espermatozoides. E o mais surpreendente é que, em 1884, Ellen White mencionou isto: que se o apetite dos pais é exagerado ou eles são intemperantes, isso vai afetar seus descendentes. Por muito tempo esse texto não foi compreendido. Desde 1977 há estudos que comprovam o que ela disse. Em minha opinião, a Sra. White, há um século e meio, já conhecia os princípios de epigenética que estamos descobrindo nos últimos 15, 20 anos.

Como a obesidade causa mudanças em nível epigenético?

Vamos falar de alguns fatores pré-natais e pós-natais. Por exemplo, se a mãe fuma, isso causa constrição nos vasos sanguíneos que vão alimentar o bebê. À medida que cresce dentro do útero, o bebê não recebe toda a nutrição que deveria ter. O corpo dele está sendo programado para viver em um ambiente de privação. Quando essa criança nasce, os genes do seu corpo estão marcados para aproveitar toda a comida que lhe é dada. Esse é um evento pré-natal que predispõe à obesidade.

Quanto aos pós-natais, podemos mencionar, por exemplo, os plásticos nos quais há um produto químico chamado bisfenol A. Frascos de plástico, quando expostos ao sol, começam a soltar esse produto, que se parece com um hormônio que envia a mensagem de que a pessoa tem que comer, aumentando o depósito de gordura.

Outro exemplo é o da microbiota. Se o bebê nasce por cesárea, tem mais risco de obesidade do que o que nasce pelo parto vaginal. Por quê? Porque quando o bebê está saindo pelo canal vaginal ele tem contato com bacilos bons. Isso é algo que não sabíamos havia pouco tempo. E se esse bebê se alimenta com leite materno, ele recebe certa flora que vai favorecer essas bactérias positivas. Há estudos que mostram que quando o bebê não é alimentado com leite materno isso também pode predispô-lo à obesidade.

A microbiota pode ser modificada?

Pode, mas é muito difícil, às vezes. E mais: quando se dá antibiótico para crianças muito pequenas, isso ataca a flora. Há evidências de que antibióticos dados por muitos dias, durante o período de recém-nascido, podem levar à obesidade no futuro. As pesquisas também mostram algo interessante. A população dos anos 1950, nos Estados Unidos, é geralmente magra. A geração seguinte é um pouco mais gorda. Já a geração atual é mais obesa. Pesquisas feitas com ratas mostrou os efeitos de pesticidas como o DDT, muito utilizado nos anos 1950. É possível que estejamos sofrendo os efeitos agora. Ou seja, a obesidade é um problema geralmente multifatorial que agora estamos começando a entender melhor. Não estou seguro em dizer por que há indivíduos que durante toda sua vida sofrem com cinco, dez quilos a mais, enquanto há indivíduos que comem de tudo e nunca ganham peso. Dizemos que é questão de genética, mas não nos esqueçamos de que a genética é modulada pela epigenética.

Podemos reverter os efeitos da epigenética?

Graças a Deus, muitas marcações no genoma são reversíveis, ainda que não totalmente. Conheço um médico cirurgião vascular que tinha uma vida muito estressada, muito desregrada, que, quando soube que a dieta vegetariana é mais saudável, resolveu mudar e chegou aos cem anos. Ele operou até os 94 anos. Nosso destino não está definitivamente escrito nos genes. Se fosse assim não teríamos esperança.

Qual seria o fator mais importante atualmente, de acordo com as pesquisas: genética ou epigenética?

Os dois. Ou seja, o que estamos descobrindo agora é que os dois têm funções muito importantes. O que descobrimos é que nosso destino não está escrito em nossos genes. O ambiente e a epigenética têm um fator muito importante na saúde ou na enfermidade. Há alguns genes que têm predisposição ao câncer, mas há muitos cânceres que podem ser prevenidos ou modificados, e isso por fatores epigenéticos e estilo de vida.

Ellen White também fala em influências pré-natais...

E ela tinha toda a razão, mais uma vez. Experiências com ratas privadas de carinho materno demonstraram que os filhos e os netos dessas ratas eram agressivos. Os pesquisadores notaram diferenças nos receptores do cérebro. Os ratos estressados tinham menos receptores de glucocorticoides; estavam sempre em estado de alerta.

Outro exemplo: nos campos de concentração nazistas pessoas foram submetidas a estresse muito severo. Os filhos e netos dessas pessoas são mais nervosos, inquietos e têm mais problemas mentais, além de mais tendência à esquizofrenia.

Um último exemplo: os filhos de sobreviventes dos atentados de 11 de setembro de 2001 também sofreram os efeitos do estresse experimentado pelos pais.

Então, se algo negativo é transmitido aos descendentes, certamente também é transmitido algo positivo. Quando Ellen White fala que as tendências da mãe podem passar para os filhos, isso não é mais uma questão de fé, mas de evidência científica cada vez mais confirmada.

Como espécie, o que está acontecendo com a nossa genética.

Estamos piorando geneticamente. Cada geração tem passado para a seguinte pelo menos cem mutações que não existiam. Isso foi descoberto pelos evolucionistas. E eles pensavam que estávamos melhorando... Nas décadas de 40, 50, havia uma preocupação, um segredo guardado pelos geneticistas de população evolucionistas. Essas mutações que se transmitem de geração a geração são cumulativas. Por exemplo, eu passei cem mutações ao meu filho, meu pai também passou cem, então meu filho tem duzentas mutações que meu pai não tinha. As maiores autoridades de genética de populações dizem que os “homens das cavernas” eram geneticamente superiores ao homem atual. Claro que nós sabemos que a história é outra. Mas a ciência confirma o que a Bíblia diz: que os homens do passado eram superiores. Essa degeneração também é conhecida como entropia genética.

Se fizéssemos uma projeção para o futuro, quanto tempo a humanidade levaria para se degenerar completamente?

A atitude física e mental do homem está diminuindo de 1% a 3% por geração. A autoridade máxima de genética de população, quando deu sua palestra mais importante na Academia Nacional de Ciências, disse uma frase impressionante: em dez gerações em média a humanidade vai mudar de forma, de função e de neurobiologia. E o mais triste é que sabemos que não há medicina para parar isso.

Como Ellen White diz, se Adão não tivesse 20 vezes mais vitalidade que a humanidade atual, já teríamos nos extinguido, provavelmente.

Sim. É interessante que a senhora White disse que nossos ancestrais tinham 20 vezes mais intelecto e mais força do que temos hoje. Há alguns anos aceitávamos isso pela fé, não por evidência. Hoje temos a evidência disso.

Essa degeneração genética se deve ao estilo de vida hoje pior do que no passado, às agressões ambientais, ou já vem sendo observada muito tempo antes?

Muito tempo antes. Cada vez que a célula se divide (lembrando que temos seis bilhões de nucleotídeos) há um risco de erro. Temos uma máquina formidável que corrige os erros. Mas ela não é perfeita. Uma porcentagem escapa. Três nucleotídeos em cada replicação. É como a copiadora: a primeira cópia sai bem, mas quando se faz a cópia da cópia, a imagem vai deteriorando. O mesmo acontece com o genoma humano. Se adicionarmos o fator ambiente ruim, as coisas ficam piores.

Fale um pouco sobre a variabilidade genética humana.

Há três artigos que saíram na Science e na Nature em que se admite claramente que a variabilidade da espécie humana começou em uma explosão há cinco mil anos. Isso concorda com o modelo da criação recente e não com os milhões de anos do modelo evolutivo. Além disso, quando analisaram o DNA da mitocôndria feminina também tiveram uma surpresa. Segundo a teoria da evolução, o ser humano moderno, o Homo sapiens, aparece há 200 mil anos. Os criacionistas pensamos que ele “aparece” há seis mil anos. Agora conhecemos a taxa de mutação que passa de geração a geração. E graças ao DNA mitocondrial pode-se calcular quanta variação pode haver em 200 mil anos: mais ou menos 150 a 600 mil. Mas, quando vemos de forma experimental a variação que há nos humanos, é ao redor de 15 ou 20, e não de milhares. Ou seja, temos outra prova genética no DNA mitocondrial que apoia o modelo da criação.

Isso tem que ver com a Eva mitocondrial?

Também. Interessante que o modelo da Eva mitocondrial foi pensado para explicar a dispersão humana a partir da África. Eles começaram a ver a linhagem da mulher que passa justamente pelo DNA que vem da mitocôndria. Então, quando começaram a fazer essas pesquisas, eles estavam buscando encontrar mais de uma mulher como ancestral. É interessante que, quando fizeram a análise do DNA, os pesquisadores se deram conta de que todas as mulheres são muito similares e têm um ancestral comum. Agora dizem que esse ancestral apareceu muito tempo atrás. Mas esse modelo apoia a criação e o que disse Adão a Eva: “Tu serás a mãe das nações.”

Há outro detalhe importante. Na arca entraram com Noé sua esposa, os filhos e três jovens noras. Então deveria haver três tipos básicos de DNA mitocondrial. E é exatamente o que foi encontrado: três tipos principais de mitocôndria e desses tipos as subdivisões, o que também concorda com o relato bíblico.