domingo, dezembro 11, 2005

Compartilhando a fé com os judeus

Professor da Universidade Andrews relata sua experiência de vida e fala sobre o relacionamento dos cristãos com os judeus


Jacques Doukhan nasceu na Argélia (norte da África), em uma família judia. Freqüentou a Sinagoga e estudou hebraico. Fez todos os estudos judaicos da Bíblia e do Talmude. Quando aceitou o Messias, estudou Filosofia na França, por dois anos, desistindo, depois, para estudar Teologia. Obteve doutorado em literatura hebraica, pela Universidade de Estrasburgo, e fez pós-doutorado na Universidade Hebraica de Jerusalém. Trabalhou como pastor e foi diretor, por quatro anos, do seminário adventista das Ilhas Maurício.

Hoje é diretor do Instituto de Estudos Judaico-Cristãos do Seminário Teológico Adventista da Universidade Andrews, em Berrien Springs, Michigan, e tem realizado palestras em muitas cidades da França, Suíça, Canadá e, mais recentemente, Austrália. Casado com a doutora em música Liliane, tem uma filha formada em Filosofia.

Nesta entrevista, concedida a Michelson Borges, o Dr. Doukhan conta um pouco de sua experiência e fala sobre o relacionamento dos cristãos com os judeus.

Embora ele traga na carne as tensões judaico-cristãs, considera-se “um judeu que sabe ser cristão e um cristão que sabe ser judeu”.

Como o senhor aceitou a Jesus como o Messias?

O que mais me convenceu acerca do Messias foi o capítulo nove de Daniel. Foi o primeiro estudo bíblico que fiz. Houve outras experiências particulares, inclusive uma bastante violenta que quase me “empurrou” ao Messias, aos 18 anos. Há pessoas que necessitam de um empurrão para poder responder; para outros, basta um murmúrio.

No que a guerra de libertação da Argélia influenciou seus planos?

Fui preso e tive muitos problemas em relação ao sábado e ao uso de armas. Havia um capitão, assassino, anti-semita e que bebia muito, que muitas vezes me chamava de judeu imundo. Ele me fazia ir até ele e me dava ordens nas sextas-feiras à noite, tentando me obrigar a trabalhar. Cada vez que eu recusava, era torturado.

Cinco meses depois de tanto apanhar, eu disse a Deus que não suportaria mais. No sábado pela manhã, aquele capitão mandou que eu pegasse minhas coisas e que o seguisse. Subimos num caminhão cheio de legionários. Achava que ia morrer, pois várias vezes o militar encostou a arma em minha cabeça dizendo que poderia me matar. Naquele momento, pensei: “É, Senhor, eu pedi para que Tu resolvesses meus problemas em relação ao sábado, e agora vejo que eles serão resolvidos... definitivamente.”

Algum tempo depois, o caminhão parou e o capitão mandou que eu descesse. Tudo parecia um sonho. Eu tremia o tempo todo. O veículo se afastou e eu percebi que estava só, num outro campo militar. Fiquei ali parado por alguns instantes, até que outro capitão se aproximou: “Você é o Doukhan?” Eu disse que sim e ele respondeu: “Fique tranqüilo que aqui você não terá problemas.”

Fiquei 15 dias naquele local onde me davam o sábado livre. Logo depois, transferiram-me para o Saara, onde vivi como um “rei”: era responsável por um hospital e meu chefe era médico. Além disso, tinha um quarto com geladeira só para mim e os sábados livres. Naquela ocasião, resolvi desistir de Filosofia e estudar Teologia.

Qual a melhor maneira de se provar que Jesus foi e é o Messias?

Não é através de argumentos intelectuais. Os milagres, nesse caso, também não provam nada, porque há vários operadores de “milagres” por aí. A prova mais convincente de que Jesus é o Messias, é o caráter, a vida e a influência daquele que crê. Não apenas o testemunho falado, mas o testemunho de uma vida transformada.

Outra forte evidência é a obra de Cristo. Jesus é o único Messias judaico que foi muito além do Seu tempo e espaço. Houve muitos “messias” na história de Israel, mas esses acabaram tendo uma influência limitada a poucas pessoas e a uma pequena área geográfica. Nunca a crença nesses messias foi além do contexto de Israel, e jamais durou mais do que uma geração.

Jesus, na verdade, foi o único que fez com que o Deus de Israel fosse conhecido no mundo inteiro.

Como os judeus vêem a Jesus?

Se considerarmos a tradição judaica ortodoxa e clássica, perceberemos que a descrição do Messias que existe nos textos clássicos como o Talmude, o Midrash e outros, apresenta-nos um retrato do Messias que é muito próximo ao Messias apresentado no Novo Testamento. Por exemplo, a idéia do Messias que sofre e que tem uma origem sobrenatural é encontrada tanto no Talmude quanto no Midrash.

No entanto, considera-se que o Messias vem trazer a paz. Por isso, para o judeu, Jesus não era o Messias porque não trouxe a paz ao mundo.

Por isso essa resistência quanto ao Messias Jesus Cristo?

É claro que isso não é razão para se rejeitar a Jesus, mas é um dos argumentos usados. O judeu pensa no texto de Isaías, por exemplo, que diz que o Messias vai trazer a paz, de tal modo que o leão e o cordeiro vão comer juntos e conclui que essa paz nunca existiu.

De certa forma, eles têm razão: Jesus não trouxe a paz. Além disso, para eles o Messias deve vir no final dos tempos. Mas, por outro lado, se o Messias não tivesse jamais vindo à Terra e viesse somente no final dos tempos, Ele não seria reconhecido pelos judeus nem por ninguém. Por isso, Ele precisava vir antes. Graças a Jesus, agora o mundo inteiro conhece Sua mensagem, de tal modo que a esperança de Israel se tornou uma esperança universal.

Portanto, era necessário que o Messias viesse antes, para que a paz de que os textos bíblicos falam pudesse ser universal. É necessário que todos saibam sobre a vinda do Messias, não somente um pequeno grupo limitado à Palestina. Assim, o Messias pode cumprir Sua vocação de Salvador e Redentor do mundo.

Por que a barreira entre cristãos e judeus ainda existe hoje?

Alguém disse que foi porque a igreja cristã rejeitou suas raízes judaicas (como o sábado, por exemplo), o que acabou levando ao Holocausto. Infelizmente, o nome de Jesus ainda tem sido associado, na mente do judeu, com massacre, discriminação e rejeição.

Hoje, depois do Holocausto e de tantas perseguições aos judeus, qualquer tentativa de convertê-los gera fortes reações. Os cristãos que desejam partilhar com os judeus a mensagem de Jesus, devem primeiro se perguntar sobre os seus reais motivos. Por que desejam converter os judeus? Querem, com isso, eliminar sua identidade? Os cristãos devem partilhar sua esperança com os judeus sem, contudo, ameaçar sua identidade judaica.

Por isso, creio que a conversão dos judeus depende da conversão dos cristãos. É isso que nós devemos fazer: converter-nos como cristãos, para podermos falar melhor com eles, e eles poderem nos escutar melhor; assim, o milagre vai acontecer. Às vezes vejo cumprir-se este milagre. De vez em quando, aqui e acolá, há pequenas faiscas, mas ainda não é o fogo. As faíscas estão aí para nos dar a idéia do fogo.

Como você vê o Estado de Israel?

É algo interessante. O judeu viveu muito tempo numa situação de etnia minoritária, oprimida e menosprezada. Por isso, desenvolveu uma atitude de desconfiança para com os não-judeus que o cercavam. Já em Israel, ele não se sente mais ameaçado pelo cristianismo, pois não tem mais cristãos em sua volta. Logo, não está mais em atitude de reação contra o cristianismo e acabou perdendo o complexo de anti-semitismo. Agora, o judeu pode abrir o Novo Testamento sem problema algum, colocando-se diante de algo que ele nunca imaginara estar tão próximo.

É assim que Israel está contribuindo na descoberta de Jesus, hoje em dia. Do ponto de vista cristão, podemos dizer que o Estado de Israel é muito bom; é uma bênção, até. Se podemos ver que essa redescoberta de Jesus pelos judeus é algo desejado e abençoado por Deus, podemos dizer também que o Estado de Israel é algo desejado e abençoado por Deus. O Estado de Israel não é o cumprimento das promessas divinas; no entanto, ele torna possível o cumprimento dessas promessas.

Qual o papel dos judeus na escatologia e nos escritos de Ellen White?

Antes de tudo, quando falamos de escatologia, falamos do futuro, de algo ainda desconhecido. Sempre desconfiamos daqueles pretensos profetas que já sabem de tudo exatamente como vai acontecer.

Na verdade, temos indicações na História que nos mostram o que poderá ocorrer no futuro. No entanto, para aquele que tem fé nas Escrituras, nas promessas proféticas e também nos testemunhos da Sra. White, o futuro é seguramente conhecido.

As Escrituras e os escritos da Sra. White dizem claramente que haverá muitos judeus, no final dos tempos, que vão descobrir a mensagem do messianismo de Jesus. E quando analisamos o que se passa em Israel atualmente, podemos ver que, de fato, o povo judeu está mais aberto para Jesus hoje do que no passado.

Então o senhor crê que o cenário para a aceitação do Messias por parte de muitos judeus já está montado?

Eu creio que ele está sendo preparado. Só para se ter uma idéia, houve mais escritos sobre Jesus em Israel nesses últimos 20/30 anos do que nos 18 séculos precedentes. Tudo isso são indicações interessantes. Agora, como esse reconhecimento do Messias vai acontecer, como vai se manifestar, isso eu não sei. Mas o fato de essa abertura estar acontecendo em Israel é algo extraordinário, fazendo-nos pensar que essa profecia realmente está correta.