domingo, dezembro 18, 2005

A última partida

Craque de futebol revela como o cristianismo mudou sua vida

Carlos Alberto Batista da Silva, ou simplesmente Carlos Alberto, como é conhecido no meio esportivo, nasceu em Campo Grande, MS, onde iniciou sua carreira esportiva no time Operário de Campo Grande, aos 14 anos de idade. De lá, foi para o São Paulo Futebol Clube, com 18 anos, em 1992, onde chegou a ser considerado o “novo Raí” (famoso jogador brasileiro). “Acredito que quando Raí chegou aqui, jogava um futebol parecido com o do Carlinhos”, disse o ex-técnico da Seleção Brasileira, Telê Santana, a um jornal. Carlos Alberto jogou também no Fluminense, no Santos, no XV de Piracicaba, no Paraná Clube, no Francana, no Bragantino, entre outros. Conquistou, em 1992, o 1º Campeonato Mundial, pelo São Paulo, além de vários outros títulos.

É casado com Mônica Matos Batista e tem duas filhas: Gabriela e Raquel.

Nesta entrevista, concedida a Michelson Borges, conta por que abandonou o futebol profissional no auge de sua carreira.

Qual a lição mais importante do futebol para você?

A convivência em grupo, com pessoas diferentes, gostos e caracteres diversos. Com isso aprende-se a respeitar as pessoas e a viver em união, apesar das diferenças. Essa lição tenho procurado praticar em minha vida.

Qual a maior alegria que você teve no futebol profissional?

A maior alegria foi ser contratado, com apenas 18 anos, para jogar no São Paulo. Saí, de repente, da várzea para um grande clube. Quando menos esperava, recebi a notícia. Em quatro horas, já estava em São Paulo, com uma vida totalmente diferente. Conviver com aqueles a quem considerava meus ídolos era realmente um sonho.

Como surgiu seu interesse por religião?

Cresci em um lar religioso. Minha avó e minha mãe me ensinaram a ter contato com Deus. Em 1993, depois de procurar várias igrejas, tornei-me pentecostal. Isso porque sentia um vazio enorme no coração. Mesmo a fama que o esporte trazia e a realização profissional não me satisfaziam totalmente. É interessante que há pessoas que pensam que dinheiro e fama são suficientes para deixar alguém feliz. Conheço muitos atletas que, mesmo que não admitam, sentem-se frustrados e insatisfeitos com a vida.

Depois de um tempo, conheci um ex-jogador chamado Gleidson, amigo dos atletas do São Paulo. Ele organizava festinhas para os jogadores solteiros, e sempre que me convidava, eu não aceitava. Certa ocasião o Gleidson resolveu inaugurar uma casa noturna e convidou alguns jogadores para um dia de autógrafos, a fim de divulgar o estabelecimento. Aceitei o convite com uma condição: que me deixasse falar de Jesus para ele. Dito e feito. Fomos para o apartamento dele e ele me fez uma série de perguntas para as quais eu não tinha resposta. Disse-lhe apenas que Deus o amava e que tinha um plano para a vida dele. Posteriormente, soube que aquelas palavras haviam impressionado meu amigo.

Cinco meses se passaram e eu já estava jogando no Fluminense, no Rio de Janeiro. Certo dia recebi uma ligação do Gleidson, convidando-me para seu batismo na Igreja Adventista do Sétimo Dia. Surpreso, aceitei o convite. E no dia 13 de setembro de 1993 entrei pela primeira vez em uma igreja adventista. Gostei muito da cerimônia e fui convidado para participar de uma vigília, onde fiz várias perguntas sobre a Bíblia, recebendo respostas que me satisfizeram. Lembrei-me do vazio que sentia e das dúvidas que ainda tinha, e percebi que as orações que havia feito anos atrás começavam a ser respondidas.

Estudei a Bíblia juntamente com o Gleidson, algumas vezes durante todo o dia, decidido a colocar em prática tudo o que aprendia. Na época, inclusive, tornei-me o jogador com melhor preparo físico em minha equipe, o que atribuí ao fato de colocar em prática as orientações bíblicas quanto à alimentação e estilo de vida saudáveis. O que me impressionava era o fato de que o Gleidson conhecia bem mais a Bíblia do que eu, embora tivesse se convertido havia bem menos tempo.

Por que você resolveu abandonar o futebol profissional?

Nossos estudos bíblicos continuaram até que descobri a doutrina do sábado. Entendi que o sétimo dia deve ser reservado para atividades religiosas e percebi a incompatibilidade com minha profissão. Muitos campeonatos e mesmo treinos são feitos no sábado.

Há outras práticas que começaram a me incomodar. A competitividade com extremo desejo de vencer e derrotar o adversário, parecia-me estranha agora. E não mais podia concordar com as orações para vencer. Afinal, Deus não torce para ninguém, nem escolhe um ou outro time para beneficiar. Outra coisa que me incomodava era o fato de muitos assumirem uma aparência de religiosidade dentro do campo, transmitindo mensagens religiosas em camisetas, etc., tudo para passar a imagem do “bom garoto”. Só que agridem os colegas e, às vezes, nem sequer freqüentam uma igreja ou vivem o verdadeiro cristianismo.

Além disso, o ambiente nos estádios também não é recomendável para aqueles que querem manter sua comunhão com Deus. Na exaltação da torcida, as pessoas deixam a adrenalina subir à cabeça, irritam-se, dizem e fazem coisas que não gostariam.
Por isso, hoje só jogo futebol como brincadeira, para manter a forma física, sem o objetivo de vencer e derrotar o adversário. O futebol também pode ser usado como uma maneira de fazer amigos e atraí-los a Cristo. É esse o futebol que jogo hoje, no time dos “santos”.

Como sua família encarou a decisão?

Na época foi difícil, pois, para eles, eu estava fazendo uma loucura. Eu os compreendo, pois não tinha outra profissão, e estava terminando o Ensino Médio. Com duas filhas e alguns compromissos, largando o futebol, o que eu faria? Mesmo um pouco apreensivo, percebi que Deus tinha um plano para mim e que estaria comigo nessa decisão. Sei que, mesmo não aprovando minha decisão, havia os que pensavam: “Por que será que o Carlos fez isso? O que pode ser mais importante que o futebol para ele?” E isso os impressionou. Eu gosto de futebol, mas hoje Jesus é mais importante para mim.

Você chegou a fazer outros planos antes de seu batismo. Quais foram?

Isso foi interessante. Pensei em continuar jogando para alcançar maior fama e influência, adiando com isso meu batismo e a decisão de abandonar o esporte profissional. Quando estivesse no auge, pensei, abandonaria tudo e diria que o fiz por causa de Jesus. Na época não percebi o perigo desse plano, e Deus me disse “não”, direcionando as coisas de outra forma.

Como foi o “não” de Deus?

Eu orei da seguinte forma: “Senhor, se um dia minha profissão me fizer separar de Ti e perder a salvação, tira tudo de mim.” Depois disso, ocorreram algumas contusões e decepções financeiras que atrapalharam minha carreira. Houve até técnicos que me dispensaram, sem motivo, apenas para beneficiar jogadores amigos. A cada “não” de Deus eu chorava muito, e minha família chorava junto. Mas eu lembrava de minha oração e sentia, no fundo do coração, que era a mão de Deus.

Cheguei a um ponto muito perigoso. Ia à igreja e continuava transgredindo o sábado. Aos poucos percebi que minha consciência estava ficando endurecida e a voz do Espírito Santo cada vez mais fraca. Graças a Deus, o Gleidson insistia em que eu continuasse a freqüentar os cultos, apesar de tudo. Tenho certeza de que as orações do Gleidson e dos irmãos deram-me forças para não fazer uma besteira, pois a angústia nessa época estava se tornando insuportável. Finalmente, conversei com minha esposa e decidimos deixar tudo para servir a Cristo. Foi mais ou menos como fizeram os israelitas: primeiro tiveram que pisar nas águas do Mar Vermelho, e só então elas se abriram. As águas também se abriram para mim. Estamos muito felizes e, de lá para cá, nada nos tem faltado.

Quais seus planos para o futuro?

Estou terminando meus estudos em Teologia, no Centro Universitário Adventista, no interior de São Paulo. Alguns anos atrás, um pastor amigo me disse: “Você será um pastor.” Isso me tocou e, de fato, sinto cada vez mais a vocação para o ministério. Quero preparar-me para levar pessoas a Cristo.