quarta-feira, janeiro 10, 2007

O salto da fé

Estudante adventista brasileiro escapa de incêndio em Moscou

”Só um milagre pode ter livrado o meu filho da terrível tragédia”, declarou à imprensa o advogado Fernando Ostrowski, pai de Ivan. A história do jovem adventista de 18 anos que estava na Rússia havia 20 dias para estudar Direito Internacional, comoveu o Brasil, no fim do mês de novembro de 2004, e ganhou destaque nos principais noticiários do País.

Na madrugada da segunda-feira, 24, o alojamento número 6 (dos estrangeiros) da Universidade da Amizade dos Povos (ex-Patrice Lumumba), em Moscou, incendiou-se, matando 37 pessoas e ferindo quase 200. Para se salvar, Ivan saltou do 5º andar. Todos os seus colegas, que residiam no mesmo alojamento, morreram. “Foi um verdadeiro pulo no escuro, um salto pela fé”, disse a mãe do jovem, a professora de música Margareth Ostrowski. Alguns estudantes que pularam do 3º e do 4º andar ficaram internados em UTIs. Outros morreram. Ivan escapou com vida, tendo apenas duas vértebras fissuradas e fraturas no antebraço esquerdo. Foi ele quem pulou do andar mais alto e quem teve menos ferimentos.

Segundo os peritos, o fogo teria começado em razão de um problema elétrico, por volta da 1h30 local (21h30, horário de Brasília), em um dos quartos do dormitório da Universidade. Cerca de 50 equipes de bombeiros trabalharam para controlar as chamas. O brasiliense Ivan Ostrowski era o único brasileiro no local.

Do hospital em Moscou, o estudante concedeu esta entrevista a Michelson Borges:

Fale sobre o que aconteceu na universidade russa, naquela madrugada do dia 24 de novembro.

Eu estava dormindo quando um dos meus colegas de quarto, um palestino, me acordou gritando “Acorda, Ivan, fogo, fogo!” Acordei e vi que o quarto já estava com bastante fumaça. Ainda dava para enxergar, mas era difícil respirar. Um dos meus colegas de quarto quebrou uma janela e eu abri outra para podermos respirar. Enquanto isso, outro colega abriu a porta do quarto, foi aí que entrou tanta fumaça que não conseguíamos ver mais nada à nossa frente.

Do lado de fora do quarto comecei a analisar a situação. Não tinha como descer com os lençóis da cama, porque já havia fogo no andar de baixo. Também não dava mais para descer pelas escadas, porque havia fumaça demais, e eu levava em média um minuto e dez segundos para descer os 210 degraus (já havia contado antes, por curiosidade). Foi então que resolvi pular.

Você ainda pensou em pegar uma mala com documentos antes de pular. Então, você estava calmo?

Acho que sim. De fato, antes de pular peguei minha mala com o dinheiro com o qual passaria o ano, alguns documentos, óculos escuros, algumas camisetas e um celular e joguei pela janela. Infelizmente, a mala não foi encontrada. Acho que alguma pessoa a levou.

Dou graças a Deus por estar vivo. É interessante como durante todo o tempo eu estava realmente tranqüilo e em paz. Nunca duvidei de que isso veio de Deus. Na hora do incêndio, agi de forma tão racional, que só mesmo a intervenção divina para explicar isso. Em nenhum momento pensei que iria morrer naquele incêndio. Pulei para sobreviver, e foi isso o que aconteceu. Sempre serei grato ao meu Deus.

Como você planejou a queda?

Mirei uma faixa de grama, porque se caísse mais adiante me arrebentaria no asfalto. Eram cerca de 12 metros de queda. Eu me esforcei também para cair do lado esquerdo, já que sou destro, e para não bater a cabeça nem o nariz.

Sua participação em clubes de Desbravadores o ajudou, de alguma forma, a saber o que fazer em momentos de perigo?

Sem dúvida. As instruções que recebi no Clube de Desbravadores Cruzeiro do Sul, de Brasília, foram de muito valor. Um bom exemplo foi a capacidade de me manter calmo nessa situação desesperadora. Mas, acima de tudo, o que mais aprendi no clube foi confiar em Deus. E isso foi fundamental.

Antes de pular, o que você pensou? Orou antes?

Eu tinha orado antes de dormir, e logo acordei com o fogo. Nessa situação, não tinha como ajoelhar e fazer uma prece. Nem havia tempo. Creio que o amor de Deus é tão grande, que Ele sabe o que se passa dentro de nós e atende mesmo as nossas súplicas não expressas.

Durante os segundos da queda, você conseguiu pensar em algo?

A queda foi muito rápida. Não me passou nada pela cabeça, somente fiquei esperando o chão chegar.

Lígia Prestes e o namorado Pedro, estudantes dominicanos que moram em frente ao prédio que pegou fogo, disseram que você foi encontrado a 10 metros do local da queda. Lembra-se de como foi parar lá?

Sei que, depois que caí, levantei, atravessei uma rua e sentei no meio-fio. Disseram-me que acenei para o Pedro e falei: “Pedro, estou aqui.” Mas isso não consigo recordar. Foi o que me contaram.

Depois que acordou, qual foi o seu primeiro pensamento?

Acordei uns 10 minutos depois da queda e fiz uma oração com meus amigos que estavam naquele dormitório.

Numa das entrevistas concedidas à imprensa, você disse que sabia que não iria morrer. O que lhe deu essa certeza?

Sei quem me deu essa certeza: Deus.

O programa de televisão Fantástico, do dia 30 de novembro, veiculou uma reportagem sobre o acidente. No fim da matéria, um físico tentou explicar como você conseguiu se salvar, dizendo que provavelmente você tenha caído em pé, com as pernas flexionadas, o que teria amortecido o impacto. Você concorda com essa explicação?

Concordo que a posição em que caí foi fundamental para minha sobrevivência. Mas foi Deus quem me guiou em todos os momentos: antes de pular, na forma de pular e depois de pular.

Qual a importância do amor dos pais, numa hora dessas?

O amor dos pais e o apoio dos amigos fazem você ter mais força e seguir em frente, porque percebe que existem pessoas que o amam e torcem por você. Pretendo continuar meus estudos aqui na Rússia, mas se não der certo, sei que meus pais estarão de braços abertos para me receber. Isso dá uma segurança tremenda.

Vai prosseguir os estudos em Moscou, então?

Sim. O ensino aqui é forte, os professores são bons e você tem chance de crescer muito no seu curso. Mas depois que me formar, pretendo pegar o primeiro avião e voltar para o Brasil.

De que forma essa experiência vai modificar sua vida espiritual?

Bem, a vida continua. Continuarei correndo atrás dos meus interesses, dos meus sonhos, mas sempre pedindo que Deus me guie e me guarde, e, principalmente, que eu aceite a vontade dEle em minha vida.

Gostaria de deixar uma mensagem para os jovens no Brasil?

Nunca duvidem do amor de Deus. Lutem pelos seus sonhos, mas principalmente coloquem o temor a Deus acima de tudo, e as demais coisas lhes serão acrescentadas. Não desperdicem suas vidas. Estamos agora plantando o que vamos colher daqui a algum tempo mais. Coloquem a semente em solo fértil.