sexta-feira, dezembro 15, 2006

Missionário no Brasil

A Missão Global entre os alemães brasileiros
Filho de evangelista, Günther Gehann nasceu na Romênia, em 2 de dezembro de 1939. Aos 18 anos, sobreviveu milagrosamente a um sério acidente, resolvendo, depois disso, dedicar a vida a Deus. Como o regime comunista na Romênia havia fechado os seminários teológicos, Günther não pôde realizar seu sonho senão em 1970, quando conseguiu mudar-se para a Alemanha. Em janeiro de 1971 iniciou seus estudos teológicos no seminário de Darmstadt. Depois de formado, serviu como pastor de jovens na igreja de Kassel, no norte da Alemanha.

Em 1979, João Teske, um adventista catarinense de origem germânica, foi à Alemanha para fazer estágio em uma multinacional. No sábado, foi à igreja do Pastor Günther, em Ludwigshafen. Günther ficou sabendo da existência de mais de 3 milhões de descendentes de alemães no Brasil, que precisavam ser evangelizados. “É só me chamar que eu vou”, brincou Günther, sem imaginar o que o esperava no futuro. Alguns anos depois, chegou o chamado da Divisão Sul-Americana, via Associação Geral. Em 1990, o Pastor Günther estabeleceu-se em Santa Catarina, com a esposa Mellita, onde desenvolveu profícuo trabalho entre os alemães daquele Estado, bem como com os de São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, até 1993. Depois de aposentado, passou a residir em Bronnen, na Alemanha, onde faleceu, em 2003.

Numa visita ao Brasil, dois anos antes de sua morte, concedeu esta entrevista a Michelson Borges:

Descreva seu trabalho no Brasil.

O início foi bastante complicado, pois não sabia exatamente como e por onde começar. Orei a Deus pedindo sabedoria. Mais ou menos um mês após minha chegada a Blumenau, SC, fui convidado a pregar na igreja de Benedito Novo. Depois do culto, um dos irmãos me convidou para almoçar e me mostrou um jornal escrito em alemão, impresso e distribuído no Brasil, o Brasil-Post. Vi ali uma oportunidade. Liguei para os redatores e marcamos um encontro. Fui recebido cordialmente pela diretora do jornal, em São Paulo. Depois de algumas horas de conversa, fui convidado a escrever uma coluna semanal sobre religião [que escrevo até pouco antes de falecer], já que isso era um desejo dos leitores. Aceitei o desafio e senti que minhas orações começavam a ser respondidas.

Algum tempo depois, preparei uma pesquisa que foi publicada no jornal. Através dela pude conhecer a receptividade do povo alemão no Brasil à religião e obter endereços de pessoas interessadas em fazer estudos bíblicos por correspondência. Muitas cartas começaram a chegar e, assim, meu trabalho pôde ter início.

E seu programa de rádio Stimme der Hoffnung?

A primeira experiência foi um quadro de cinco minutos apresentado durante um programa de rádio do Pastor Ítalo Manzolli. O programa foi bastante divulgado e apreciado pelos alemães de São Paulo.

Logo depois, surgiu outra oportunidade maravilhosa. Recebi um telefonema da diretora do Brasil-Post, convidando-me para representar o jornal num congresso mundial sobre a cultura alemã, em Porto Alegre, RS, organizado pela Embaixada Alemã. Surpreso, aceitei o convite. E minha surpresa foi ainda maior quando, três dias antes do evento, recebi outro telefonema, dos organizadores do congresso, oferecendo-me oportunidade para falar sobre a influência da Bíblia e da religião na língua e na cultura alemã, dando-me também um espaço de 15 minutos para falar de meu trabalho no Brasil. Orei a Deus para conceder-me sabedoria e abrir portas para a pregação do evangelho.

Falei sobre Lutero e Deus me ajudou tanto que vários congressistas vieram me cumprimentar e perguntar sobre a obra adventista. Durante um coquetel a convite do cônsul de Porto Alegre, conversei com ele e com o ministro da Educação, que muito elogiou a igreja, a educação e os livros adventistas. Conversei com diversas autoridades, mas foi com um advogado diretor de uma emissora FM de Teutônia, RS, que outra grande porta se abriu. Ele me ofereceu dez minutos em sua programação, todos os domingos, para fazer um programa religioso. Quando voltei a Blumenau, ele me telefonou para combinar os detalhes, dizendo que não poderia me dar mais os dez minutos. Eu disse que estaria feliz com cinco. E ele então disse que me daria não dez, mas trinta minutos!

Assim, o Stimme der Hoffnung [A Voz da Esperança] foi se espalhando. Com o tempo, várias emissoras passaram a veiculá-lo, chegando a um tempo de transmissão de 230 minutos semanais. Minha esposa e eu gravávamos os programas em um pequeno estúdio em nossa casa, com baixíssimo custo de produção. E muitos interessados foram contatados, inclusive no Paraguai, onde o programa também era ouvido, e onde artigos meus também passaram a ser publicados em um jornal semelhante ao Brasil-Post, o Aktuelle Rundschau.

Que “estratégias” o senhor usou em seu trabalho pessoal?

Utilizei o evangelismo da amizade. Procurei conhecer as pessoas, conquistar sinceramente sua amizade e, depois, ofereci-me para estudar a Bíblia com elas. Além disso, reuni representantes dos grupos de alemães adventistas de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e São Paulo, e juntos discutíamos, de quando em quando, formas de melhor trabalhar pelo povo germânico.

O que o senhor acha do povo e da igreja adventista brasileiros?

O povo brasileiro nos ensina muito. Quando voltei para a Alemanha, em 1993, concedi uma entrevista a uma rádio e disse que o povo brasileiro é muito alegre e aberto. A igreja adventista brasileira também é exemplar. São irmãos consagrados e envolvidos no trabalho missionário e na liderança, coisa que nem sempre se vê nos países europeus mais desenvolvidos. Além disso, há muita música nas igrejas, o que cria um “clima” próprio para a adoração e pregação da Palavra.

Duas experiências marcantes em seu ministério.

Quando publiquei a pesquisa no Brasil-Post, prometi que sortearia três livros aos que respondessem ao questionário. Um dos ganhadores foi um professor universitário de Viçosa, MG. A filha dele, Sieglinde Brune, pesquisadora do Ministério da Agricultura, em Brasília, leu o livro, que tratava da profecia de Daniel 2. Ela ficou interessada no conteúdo e iniciou o estudo bíblico. Sempre fazia perguntas difíceis, num alemão perfeito, que me tomavam horas para responder. Indiquei a ela uma irmã em Brasília, para que mantivessem contato e ela começou a freqüentar a igreja. Resultado: meses depois, Sieglinde foi batizada.

A segunda experiência tem que ver com o cuidado de Deus. O problema estava sendo responder todas as cartas de interessados. Minha esposa e eu dedicávamos muitas horas a isso. Mas as Bíblias, revistas e livretos em alemão que havíamos trazido da Alemanha, numa doação dos irmãos de lá, já estavam se esgotando e não havia dinheiro suficiente para as despesas postais nem para os contatos telefônicos. Um dia, a conta telefônica chegou e eu disse para minha esposa que não tínhamos mais dinheiro. Dobramos os joelhos e entregamos o caso a Deus. Dentro de instantes, bateram à nossa porta. Era uma irmã da igreja alemã de Blumenau, médica, dizendo que precisava nos contar algo, mas com pressa, pois tinha que atender um paciente. E ela disse: “Pastor Gehann, acredito que o senhor esteja precisando de dinheiro. Tenho aqui um cheque que gostaria de lhe dar.” Ao olhar o cheque, percebi que era o valor exato de que eu precisava para pagar a conta telefônica.

Tendo trabalhado na região que é o berço do adventismo no Brasil, o Vale do Itajaí, o que o senhor acha que temos a aprender com os pioneiros?

Creio que a lição mais importante que temos a aprender deles é que eles faziam o trabalho ajoelhados. Devemos estabelecer alvos e traçar planos, mas tudo deve acontecer com os joelhos no chão. Quando nosso trabalho é fruto de oração, mesmo quando faltam os recursos materiais, a obra avança.

Um sonho.

Gostaria de continuar o trabalho que foi interrompido em 1993. Existem muitos alemães na América do Sul, e eles também devem ser levados aos pés de Cristo, que é o propósito da Missão Global. Mas tudo está nas mãos de Deus.