quinta-feira, dezembro 14, 2006

Missão no Timor

Missionário brasileiro desenvolve trabalho pioneiro no mais novo país do mundo

Ronaldo Custódio Lino Pereira nasceu em setembro de 1959, em Campo Grande, MS, mas foi criado em Bauru, SP, desde seu primeiro ano de vida. Seus pais tornaram-se adventistas quando ele tinha seis anos de idade. Em Bauru, estudou na escola primária adventista. Em 1982 iniciou seus estudos de Teologia no Unasp (então IAE), formando-se em 1985. Concluiu o Mestrado em Teologia Pastoral em fevereiro de 2000, no campus 2 do Unasp.

Antes de ir para o Timor Leste como missionário, atuou como pastor distrital nas cidades de Sorocaba, Fernandópolis, Ribeirão Preto e Presidente Prudente.

Atualmente é o coordenador geral da Igreja Adventista em Timor Leste, de onde concedeu esta entrevista a Michelson Borges.

Casado desde 1984 com Ana Cristina Newlands, tem dois filhos: Jonathas e Rebeca.

Fale um pouco sobre o Timor Leste.

O Timor Leste se tornou oficialmente independente no dia 20 de maio de 2002, sendo reconhecido pela ONU como a mais nova nação independente do mundo.

O país é pequeno. Tem na sua parte mais extensa cerca de 300 km de comprimento e, no máximo, 80 km de largura. O número de habitantes fica em torno de 800 mil.

Está localizado no extremo sul do continente asiático, no arquipélago indonésio, e a 500 km ao norte da Austrália. Trata-se da metade de uma ilha: a parte leste constitui o Timor Leste; a parte oeste (ou Timor Ocidental) pertence à Indonésia.

O povo timorense descende de uma mistura de povos de outras nações e ilhas indonésias, como por exemplo dos indianos, dos vietnamitas, do povo de Kalimanta (província indonésia) e de outras ilhas.

No país são falados 34 dialetos, sendo que o tetum, o principal dialeto, tornou-se a língua mais falada. A língua portuguesa foi estabelecida pelo governo como a língua oficial do país. Porém, um número pequeno de habitantes (no máximo 10%) fala razoavelmente o português. As línguas mais faladas são: tetum, indonésio, português e inglês.

E os costumes dos timorenses?

Naturalmente eles possuem costumes e tradições bem diferentes daquilo com que nós, dos países ocidentais, estamos acostumados. Por exemplo: quando as pessoas pretendem se casar, a família do noivo deve dar o dote, que geralmente é uma certa quantidade de búfalos – sete, dez, vinte ou mesmo sessenta, dependendo da exigência da família e dos parentes da noiva. A família da noiva, por sua vez, deve prover presentes para o noivo, tais como: roupas, dinheiro, animais domésticos, e outras coisas mais. Após a cerimonia na igreja, que segue o estilo tradicional dos países ocidentais, todos os convidados participam da festividade por um período que geralmente se estende por uma semana ou mais. Os parentes da noiva se reúnem com os do noivo e passam um bom tempo analisando e calculando quem saiu lucrando; se a família da noiva, com o dote, ou se o noivo, com os presentes. Caso o noivo tenha lucrado mais, ele é obrigado a dar uma compensação, pois o dote que o noivo paga deve ser de maior valor (às vezes criam-se grandes conflitos, que levam até à morte de parentes dos noivos, dependendo da exaltação dos ânimos).

Os funerais também são curiosos. Quando uma pessoa morre, são feitos os preparativos para o enterro que geralmente só ocorre quando todos os parentes estão presentes. O período estabelecido para o enterro deve ser após as primeiras 24 horas, mas é muito comum se estender por dois, três ou mais dias, dependendo da chegada dos parentes, alguns dos quais residem nas montanhas ou em vilas muito distantes. Geralmente cada família deve levar alimentos para serem preparados durante o período do funeral ou dinheiro para ajudar na compra de alimentos ou com os gastos com o funeral. Durante o período em que o morto está sendo velado e após o enterro, são feitas as cerimônias, conforme as tradições animistas (geralmente com muitas velas acesas, alimentos e roupas para o morto).

Fartas mesas de alimentos são preparadas (contendo arroz, porco, frango, milho e outras variedades de alimentos). Isso ocorre três vezes ao dia, na parte da manhã, no horário do almoço e do jantar. Todos os presentes são convidados a participar das refeições. Após o enterro, a maioria retorna para a casa onde o morto foi velado, para continuar a participar das cerimônias e da alimentação. Isso ocorre até se completar uma semana.

Por cerca de vinte anos a Igreja Adventista praticamente não cresceu no Timor. A que se deveu isso? Quais as dificuldades?

A igreja chegou a ter quase 200 membros no fim dos anos 90. No entanto, devido aos conflitos políticos, em 1999 nossos irmãos indonésios foram obrigados a abandonar o país e voltar para seus países de origem, restando assim uma igreja com apenas três membros, dois timorenses e um indonésio.

Deve-se destacar também que o preconceito religioso, devido ao forte predomínio católico, à manutenção das atividades animistas e ao fato de o povo não ter fácil acesso à Palavra de Deus, tornou-se uma das maiores dificuldades na pregação do evangelho, tanto no passado como atualmente. Durante o período da ocupação indonésia no Timor Leste, a igreja local não desenvolveu atividades de caráter social nem evangelísticas que pudessem favorecer a conquista de pessoas desse país. E isso devido a duas situações: (1) a natural rejeição que os timorenses desenvolveram para com os indonésios, chegando a matar muitos deles em emboscadas ou nos mercados da cidade; e (2) o fato de os membros e a liderança da igreja não possuírem, na época, uma mentalidade ou formação que os levassem a estabelecer projetos evangelisticos adequados, como ocorre no Brasil. Esses dois fatores contribuíram fortemente para que a igreja não se desenvolvesse durante os vinte anos após a sua implantação no Timor Leste.

Como vocês têm trabalhado para mudar essa situação de preconceito?

No início, procuramos desenvolver atividades que estávamos habituados a realizar no Brasil, como por exemplo pequenas séries de conferências (apesar dos problemas com a língua), pesquisas e estudos bíblicos, visitação, etc. No entanto, com o passar do tempo, ao conhecer a realidade local e pelo fato de não termos alcançado resultados positivos, fizemos mudanças e estabelecemos novos planos.

Hoje desenvolvemos mais programas de caráter social, tais como cursos para mulheres, nas áreas de culinária e saúde, e cursos de costura, aulas de português, palestras educativas, etc.

Estamos trabalhando para implantar uma emissora de rádio, que deverá utilizar parte do tempo para transmitir programas que ajudem a população nas questões de caráter social. Uma escola de inglês e uma escola adventista também estão em nossos planos.

Temos direcionado nossa atenção para um trabalho mais especializado com os jovens, pois eles são menos preconceituosos e manifestam mais interesse em conhecer a Bíblia. Estamos treinando os poucos membros locais a fim de que desenvolvam uma mentalidade evangelística, especialmente em atividades que os coloquem em contato direto com as pessoas. E dois obreiros bíblicos foram contratados para dirigir classes bíblicas para jovens universitários.

Como foi a adaptação da família à nova vida?

Eu louvo a Deus por me haver dado uma esposa e filhos dispostos a acompanhar-me na missão de pregar o evangelho. Não é fácil para uma família deixar o conforto, a segurança, o convívio com os parentes e amigos e ir para uma localidade totalmente desconhecida e distante, onde a cultura e os costumes são completamente diferentes, onde os recursos são bem mais escassos, onde não há boas condições de saúde pública e especialmente onde há falta de segurança física.

As dificuldades, na área educacional, também são grandes, especialmente devido à questão do nível escolar e da língua. Com 17 anos meu filho foi enviado para um colégio num país distante, depois de vários meses desenvolvendo atividades no Timor Leste. Minha filha, que tem desempenhado várias atividades na igreja, teve que estudar por correspondência e ser diariamente supervisionada pela mãe.

No entanto, a despeito de tudo isso, minha família tem dado grande contribuição para a obra de Deus no Timor Leste, especialmente minha esposa, que tem desenvolvido projetos especiais em várias áreas.

Poderia contar uma experiência missionária interessante ocorrida aí?

Arito é o caçula dentre oito filhos de uma família tradicional no catolicismo e nas crenças animistas, que residia nas proximidades da igreja adventista em Dili. Há cerca de dois anos ele teve contato com um missionário coreano que estava auxiliando nas atividades evangelísticas aqui no Timor Leste. Logo se desenvolveu uma boa amizade entre os dois, o que animou o missionário a oferecer estudos bíblicos ao jovem. Arito aceitou e ficou cada vez mais interessado à medida que os assuntos eram apresentados.

Quando chegaram aos temas da guarda dos mandamentos e do sábado, o jovem ficou muito preocupado, pois pensava que até então ele e sua família estavam fazendo a vontade de Deus. Inquieto e desejoso de saber a verdade, procurou conseguir Bíblias nas diferentes línguas (indonésio, inglês, português) e começou a pesquisar sozinho as diferentes traduções, para ver se diziam a mesma coisa. Após constatar que, para ser fiel a Deus ele deveria observar os dez mandamentos e se tornar membro de uma religião diferente da que a sua família até então professara, passou a viver em constante conflito. A família, percebendo o que estava acontecendo, proibiu-o de ir aos cultos. Os próprios vizinhos passaram a vigiá-lo e a relatar aos pais e irmãos quando Arito se dirigia à igreja adventista.

Algumas vezes, sem que soubessem, ele vinha até nossa casa e, nessas ocasiões, aproveitávamos para esclarecer-lhe as dúvidas e fortalecer em seu coração o desejo de ser fiel a Deus, mesmo com a oposição da família e dos vizinhos.

Aos sábados, mesmo contra sua vontade, era obrigado a freqüentar as aulas, pois a família toda o pressionava.

Depois de alguns meses, estabelecemos um plano de pagar os estudos do Arito numa escola adventista na Indonésia. Devido ao fraco nível escolar no Timor Leste e à possibilidade de ter o filho estudando numa escola privada e ainda sem despesas para a família, os pais de Arito aceitaram que o enviássemos para a Indonésia. Poucos meses depois, Arito foi batizado e se tornou um forte e dedicado membro da igreja.

Nas ocasiões em que veio para visitar a família, procurou, mesmo com grande oposição, apresentar a mensagem adventista para os pais e irmãos. Aos poucos eles passaram a ser mais flexíveis com Arito e mais amigáveis com a igreja. Durante esses períodos de férias, Arito contribui muito com as atividades da igreja, por meio de cânticos e pregações na língua inglesa e em indonésio.

Após concluir o Ensino Médio, Arito foi enviado para estudar na Universidade Adventista da Indonésia, com recursos doados por um casal de irmãos que trabalham na ONU. Hoje ele se encontra no seminário adventista, cursando o teológico. Deseja se tornar pastor, poder voltar para o seu país e pregar o evangelho ao seu povo.

Como é a igreja adventista no Timor?

Atualmente [2003] temos 16 membros (cinco homens e 11 mulheres, entre juvenis, jovens e adultos). Também contamos com a presença de cinco membros que estão a trabalho no Timor, ou seja, apenas durante o tempo em que desenvolvem atividades para a Missão da ONU.

Temos apenas um templo em Dili e estamos trabalhando para tornar a igreja reconhecida pelo governo timorense. O Estatuto da igreja está sendo preparado, para que possamos desenvolver projetos visando ao estabelecimento de instituições.

Um pastor aspirante timorense tem desenvolvido suas atividades pastorais aqui. E recentemente dois obreiros bíblicos, um timorense e um indonésio, foram contratados e estão iniciando também suas atividades.

Com o poder de Deus, muito trabalho e consagração, esperamos o mais breve possível alcançar para Cristo as pessoas sinceras deste pequeno país.